Abrace o verdadeiro aprendizado que há por trás de perder uma planta

– Por Carol Costa

“Meu nome é Carol Costa e estou há cinco meses sem matar nenhuma planta.” Se houvesse um Garden Killers Anônimos, eu me apresentaria assim, torcendo para ser recebida com a mesma generosidade com que são aceitos cardíacos que burlam dietas e fumantes que tentam se livrar do vício. Matar plantas é terrível também para nós, os algozes. A gente passa a estampar na testa o carimbo da incompetência jardinística.

A maldição do “dedo podre”, que nos esforçamos para enterrar numa horta bem-sucedida, parece ir por água abaixo tão logo seca o alecrim. Uns responsabilizam o “olho-gordo”, par perfeito do “dedo podre”. Outros chafurdam na culpa, evitando tudo quanto é floricultura, garden center e exposição de orquídeas, só para não reviver o fracasso. É, perder plantas dói, especialmente no ego.

Algumas vão a óbito num transplante apressado. Outras, depois de uma dose exagerada de adubo. Vasos caem, trincam, quebram, esquentam ou esfriam demais. Pragas detonam meses de dedicação, e doenças silenciosas ceifam a esperada colheita. Sem falar nas milhares de plantas que terminam seus dias apodrecendo na água ou enrugadas de sede. Reagimos tarde demais, com excesso de zelo ou usando doses exageradas de remédios. Com a melhor das intenções, matamos justo aquilo que queríamos preservar.

Olha só que coisa: cinco meses atrás, eu me preparava para uma longa temporada no Rio de Janeiro. Sabendo da dificuldade que meu marido teria para cuidar de quase 200 vasos, comecei a me desfazer de plantas. Doei orquídeas, agrupei espécies em jardineiras coletivas, plantei a jabuticabeira na praça. Pouca coisa sobreviveu à devassa. A varanda ficou tão vazia que dava até vergonha.

Não demorou para as más notícias brotarem: algumas orquídeas morreram, uma calateia sofreu com o frio repentino, a jabuticabeira ficou pelada. Algumas espécies deram a florada derradeira antes de definharem lentamente, sem que eu pudesse fazer nada. “Rega mais”, “olha o verso das folhas”, “muda o vaso de lugar” – dizia eu por WhatsApp, na agonia de ver um jardim tão querido morrer a distância.

Aquilo durou semanas. E, então, parou. Do nada. O que tinha de morrer morreu. Algumas plantas enfim se aclimataram e a jabuticabeira ganhou folhas novas. O cacto-candelabro passou de verde-musgo para roxo-vibrante. Até a nepente floresceu, agradecida da adubação orgânica que eu tinha dado antes de viajar. Fiquei triste com as perdas, é claro, especialmente quando secou a última folha da Phalaenopsis javanica que nunca vi florir.

As sobreviventes portam cicatrizes. A folha atacada por lagartas nunca mais será inteira. A orquídea com fungos não perderá as manchas amareladas. No entanto, todo vegetal regenerado se torna capaz de produzir folhas novas, raízes saudáveis e flores, frutos, sementes.

É nisso que busco conforto: cada planta que perco me machuca, uma jardineira melhor. Percebo mais depressa uma infestação de cochonilhas, diluo melhor o adubo, mudo um vaso de lugar de forma mais gradual. Começo a entender quais cantos da varanda pegam o sol forte e onde o vento encanado faz estragos. Aguço meu olhar, afino a lente da sensibilidade. Então, me encho de coragem, tiro a muda do saquinho, respiro fundo e recomeço a horta, pela segunda, terceira, quarta vezes. E é assim que nasce uma pessoa com “dedo verde”.


Carol Costa é jornalista, jardinista e idealizadora do blog Minhas Plantas (www.minhasplantas.com.br). Tem uma coluna na rádio BandNews FM e apresenta o programa “Mais cor, por favor” no canal GNT

 


 

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