Nativa dos cinco continentes, essas trepadeiras têm muito mais que flores inusitadas

TEXTO GABI BASTOS | FOTOS VALERIO ROMAHN

É inevitável: quem se depara com uma aristolóquia e observa suas flores bem de perto logo se pergunta onde a Natureza queria chegar ao planejar algo tão estranho. As cores delas não são lá muito atrativas – em geral de tom pastel –, mas seus formatos são tão inusitados que você não precisa ser nenhum perito para descobrir por que as três trepadeiras aqui apresentadas receberam nomes populares bem sugestivos: jarrinha (Aristolochia neversamondiana) (1), bico-de-pássaro (Aristolochia gibertii) (2) e papo-de-peru (Aristolochia labiata) (3). Uma olhada rápida é mais que suficiente para matar a charada.

Hoje pode até ser relativamente raro ver uma aristolóquia no jardim, mas no passado elas já foram bem famosas – não por conta de sua estranha florada, mas por causa de um suco que era produzido a partir de suas raízes e usado para induzir e facilitar o parto. A prática remonta a tempos tão antigos que o grego Hipócrates (460 a.C. – 370 a.C.), considerado pai da medicina Ocidental, já a relatava.

E foi justamente essa capacidade de auxiliar no parto que levou o sueco Carlos Lineu, pai da taxonomia moderna, a batizar com o nome de Aristolochia esse gênero, em 1753 – o termo quer dizer “melhor nascimento”, em grego.

As curiosidades relacionadas a essas trepadeiras, no entanto, vão muito além do visual e de suas propriedades medicinais: elas desenvolveram artinhas para lá de engenhosas para assegurar sua perpetuação na face da Terra.

Flores desleais

As aristolóquias fizeram de suas flores exóticas uma intrincada armadilha para atrair os polinizadores. A arapuca é típica dos grandes traidores que enganam os ingênuos com a promessa de uma grande recompensa.

O chamado chega pelo ar, que espalha o cheiro de material em decomposição – a refeição preferida das moscas que polinizam essas plantas – exalado pelas flores. Para mostrar que os insetos são bem-vindos, as flores ainda exibem um tubo que ora simula uma pista de pouso – como o da Aristolochia labiata (1) e o da Aristolochia pohliana (2) –, ora funciona como um escorregador – caso do encontrado na da Aristolochia triangularis (3).

Rígidos pelos voltados para baixo encobrem a tal pista ou escorregador e forçam a mosca a avançar até a parte mais interna da flor, para polinizá-la. Se o inseto estiver trazendo nas costas o pólen de outra aristolóquia, ficará preso lá dentro por cerca de 24 horas, até que a fecundação seja concluída e a flor murche, liberando, assim, a saída do polinizador.

Caso o inseto não esteja carregando pólen ao entrar na flor, ainda assim ficará preso lá dentro por um dia. A diferença é que, na ausência de fecundação, ao liberar a saída da mosca, a flor fará com que ela carregue consigo um pouco de pólen para que, ao pousar de uma outra flor de aristolóquia, ele possa fecundá-la.

Sobre folhas e borboletas

Identificar uma aristolóquia é muto fácil, e não é preciso nem que a trepadeira esteja florida: basta olhar para as folhas, que exibem sempre o inconfundível formato de coração. O tamanho pode variar conforme a espécie, mas elas sempre formam uma folhagem densa e extremamente ornamental, como mostra a foto da Aristolochia littoralis (4).

As folhas dessas plantas, aliás, são importantíssimas para o ciclo de vida das borboletas: constituem o principal alimento das lagartas, que depois se transmutam nesses maravilhosos insetos. O apreço das lagartas por essas folhas é tão grande que os borboletários costumam cultivar aristolóquias em seus jardins.

Opções para todo tamanho de espaço

Como existem aristolóquias nativas dos cinco continentes do mundo – cada uma adaptada a um clima específico –, o comportamento dessas plantas pode variar bastante conforme a espécie. Enquanto algumas são extremamente vigorosas – caso da Aristolochia gigantea (1), que é originária do nordeste ao sul do Brasil e, em um único ano, passa dos 2 m de comprimento –, outras têm crescimento mais moderado. A Aristolochia fimbriata (2), encontrada apenas no sul do país, por exemplo, mal chega aos 40 cm de comprimento e se adapta até mesmo ao cultivo em vasos e jardineiras. Os frutos de todas elas, no entanto, são sempre iguais: cápsulas não comestíveis que, depois de secos, ficam parecendo pequenas bolsas penduradas em meio à folhagem. Quando cortados em fatias, eles exibem o desenho de uma estrela.

É, as aristolóquias podem até ser esquisitonas e ter um perfume pouco agradável, mas são a prova viva de que, na Natureza, as plantas são capazes de artimanhas inimagináveis para atrair polinizadores e garantir sua sobrevivência.

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