O que pulgões, formigas e cochonilhas podem dizer sobre a maneira como lidamos com nossa alimentação e o cuidado com as plantas 

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Como exterminar lagartas? É possível erradicar pulgões? Tem alguma receita caseira matadora para cochonilhas? Toda semana me deparo com esses apelos de gente desesperada em ver a planta tão querida, cuidada que nem filho, amanhecer repleta de folhas mordidas, manchadas ou furadas. É fácil entender como surge essa gana assassina. Dá uma raiva danada saber que a lesma ou o caracol se banquetearam no morango que você estava esperando amadurecer ou que os nematoides detonaram as cenouras que você foi colher com as crianças.

No entanto, há uma curiosa contradição nesse desejo inseticida: a mesma pessoa que quer executar lagartas a sangue frio geralmente é aquela que se encanta com as borboletas sobrevoando as flores do jardim. Ué, mas é o mesmíssimo bicho, certo? Desejar o inseto adulto e rejeitar a fase larval é como tirar sarro da menina tímida e franzina da infância e descobrir, anos mais tarde, que ela virou uma mulher linda e inteligente.

 

Estamos cada vez mais orgânicos e, ao mesmo tempo, mais germicidas. Dá uma olhada na sua última compra no supermercado: quanto você gastou em frutas, verduras e legumes e quanto desembolsou em produtos de limpeza. Tem alguma coisa errada aí, não tem? E, olha, não tô te acusando, não, minha compra de mês foi exatamente assim por muitos e muitos anos.

Quando uma família gasta mais com detergente, alvejante, água sanitária e coisas com ação “microbiana” em geral do que com alimentos frescos e saudáveis, soa o alerta vermelho: como vamos nos reconectar com a Natureza tendo uma postura tão higienista?

É claro que não estou defendendo que a gente vá dormir sem tomar banho ou coma com as mãos sujas. Todo mundo quer ser limpinho, mas a jardinagem é o antilimpismo, entende? É justamente o “sujar” gostoso, saudável, aquele que renova nossa conexão com a terra, incluindo aí seus fungos, bactérias, minhocas e insetos. Quanto mais adotamos uma postura repelente de insetos, mais ela repele a vida natural. Justamente aquela que buscamos ao ter uma horta em casa, ao levar as crianças para andar no parque ou ir tomar um sol na praia. São dois lados da mesma moeda.

Tem outra coisa que me deixa intrigada: toda vez que sai uma lista dos recordidas em resíduos químicos – quase sempre encabeçada por tomate, morango, pimentão e outras figurinhas que, agora, plantamos em casa –, a gente fica horrorizado ao saber da quantidade de produtos colocados nos alimentos. Acredite se quiser, o produtor rural não quer colocar veneno na sua mesa. O que leva a cada vez mais agrotóxicos nos alimentos é um manejo totalmente antinatural, que limpa o campo de cobertura vegetal, cultiva uma única espécie em longos hectares de área, retira os predadores naturais das pragas e acaba com a diversidade de plantas.

Colocar fungicida, bactericida, inseticida, acaricida e outros “cidas” no campo custa dinheiro, tempo e mão de obra – se o produtor pudesse escolher, ele não colocaria nada. Só que para isso acontecer é preciso uma grande mudança no modo de ver a produção. Um voltar ao jeito natural. Esse passo atrás vai permitir muitos passos à frente na produção de alimentos, seja na agroindústria ou no seu vasinho de hortelã na varanda.

Quando a gente entender que esse mundo é de todos, e que mesmo o menor dos bichinhos tem direito à vida, mudaremos o jeito de lidar com as pragas, e veremos que elas surgem como aviso de que algo está errado na nutrição da planta. A cochonilha aparece quando falta cálcio na adubação. O pulgão, pelo uso extensivo de adubos nitrogenados. Formigas são indicadores de solo compactado e de falta de molibdênio. A lagarta que morde a folha estimula também a produção de hormônios de crescimento, e mesmo uma terra com nematoides pode ser altamente produtiva, segundo já demonstrou tantas vezes a agrônoma Ana Maria Primavesi, uma das pioneiras nessa forma de olhar as plantas.

O que fazer com as pragas, então? Captar a mensagem de desequilíbrio que elas nos estão passando e corrigir a raiz do problema. Com calma. Como quem semeia um novo amanhã.

Carol Costa é jornalista, jardinista e idealizadora do blog Minhas Plantas (www.minhasplantas.com.br). Tem uma coluna na rádio BandNews FM e apresenta o programa “Mais cor, por favor” no canal GNT

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