Levadas por animais, flutuando com o vento ou boiando por rios e mares, as sementes desenvolveram estratégias inteligentes para se espalhar pelo mundo

– Por Ana Luísa Vieira | Fotos Valerio Romahn

Para garantir a perpetuação da espécie, algumas sementes aprendem até a voar | Foto: Shutterstock

No jardim, o homem dá uma mãozinha: escolhe o melhor local, prepara o solo, abre um berço com capricho e deposita os grãos com todo o cuidado. Na Natureza, as sementes não contam com essa moleza toda: de carona com mamíferos e aves e até no embalo do vento e da água, elas se viram como podem para chegar a um lugar onde seja possível germinar com saúde.

Deslocar-se para longe da espécie que deu origem a elas é questão de sobrevivência: se crescem muito perto da planta-mãe, as mudas acabam por disputar água e nutrientes do solo com a genitora. O fenômeno – chamado pelos cientistas de síndrome de dispersão das sementes – assegura que os vegetais se perpetuem no meio ambiente e encontrem diferentes regiões do planeta onde possam se reproduzir.

Dotadas de asas, as sementes da tipuana voam longe e, quando caem no solo, dão origem a árvores de até 15 m de altura

AO SABOR DO VENTO

Para garantir a viagem até um local em que consigam brotar sem muita concorrência, as sementinhas lançam mão de técnicas curiosas. Vale até imitar os pássaros, como fazem os embriões da tipuana (Tipuana tipu), árvore facilmente encontrada em território brasileiro. Além de serem leves, os grãos da espécie desenvolveram asas para flutuar ao sabor do vento. São membranas amarronzadas que envolvem as sementes e permitem que elas viajem longas distâncias pelos ares até pousarem para dar vida a uma nova planta – que, quando adulta, atinge 15 m de altura. Fica até difícil acreditar que uma árvore tão grande nasça de um grão alado com 8 cm de comprimento.

No caso das sementes do dente-de-leão, são os pelos brancos que permitem aos minúsculos grãozinhos alçar voo e depois infestar jardins e gramados com a daninha

As sementes do famoso dente-de-leão (Taraxacum officinale), que as crianças adoram assoprar, seguem a linha. Em vez de asas, entretanto, contam com uma coroa de pelos brancos para alçar voo com mais facilidade. Depois da jornada aérea, fazem estrago em terra firme: o dente-de-leão cresce aos montes e tão espontaneamente que é considerado uma planta daninha – daquelas que invadem jardins e gramados de maneira indesejada.

DE CARONA

Na falta de talento – e recursos – para imitar os pássaros, algumas sementes simplesmente vão de carona com eles. Não que o transporte saia de graça: para conquistar esses bichos, os grãos se travestem de frutas saborosas com tons chamativos. As aves, atraídas pelas cores, comem a polpa e nem percebem que também estão engolindo as sementes – que, mais tarde, são devolvidas intactas para a Natureza, prontinhas para germinar. Graças a esse processo, espécies como amora (Morus nigra) e morango-silvestre (Fragaria vesca) garantiram sua sobrevivência ao longo da história.

Junto com os frutos da amora, os passarinhos ingerem as sementes da planta e as depositam intactas em outras áreas | Foto: Shutterstock

Foto: Shutterstock

O tom vistoso do morango-silvestre tem um propósito: atrair as aves que ajudam a disseminar as sementes da espécie

Mais irônico, porém, é o caso da pimenta (Capsicum annuum), cujos grãozinhos brancos são embrulhados numa polpa de sabor picante criada especialmente para afastar os mamíferos – no estômago deles, as sementes perdem a capacidade de germinação. Os pássaros comem, não sentem o ardido e – sem saber – saem semeando novas pimenteiras por aí. Se a tática de repelir outros bichos deu certo no meio ambiente, não se sabe; o fato é que o homem apreciou tanto esse gostinho diferente que passou a produzir a espécie em larga escala.

JOGADAS FORA

Enquanto algumas sementes querem manter os mamíferos bem afastados, outras empenham-se em trazê-los para perto. O jeito é apostar no disfarce com frutos cheirosos, já que o olfato é o sentido mais desenvolvido em muitos desses animais. É assim que a manga (Mangifera indica) seduz os morcegos e a seriguela (Spondias purpurea) cativa os macacos. Os bichos se esbaldam com a polpa dessas frutas e depois lançam os grãos ao longe, como quem joga algo sem serventia no lixo. Mal sabem que estão devolvendo à terra aquilo que já era dela.

Além do colorido, o aroma é um dos artifícios da seriguela para atrair os macacos aos seus frutos, cuja polpa secreta a semente

NO EMBALO DA ÁGUA

Como não poderia deixar de ser, a água também entrou para as formas de transporte preferidas entre as sementes para se propagar por aí. A história mais famigerada talvez seja a do coco-da-baía (Cocos nucifera) – que de baiano não tem nada. Embora sua origem seja incerta, há quem defenda que a planta tenha surgido no Sudeste Asiático, na região do Pacífico, e de lá seus frutos tenham vindo boiando até o Brasil, com a ajuda de correntes marítimas. De qualquer forma, é consenso entre os cientistas que algumas sementes se embrulham em frutas com boa capacidade de flutuação para se espalhar com o embalo de chuvas, enxurradas, alagamentos e outros meios aquáticos. As plantas típicas de mangue e terrenos ribeirinhos, como o ingá (Inga edulis), são algumas delas.

Acredita-se que as sementes do coco-da-baía vieram boiando do Sudeste Asiático até o Brasil

O ingá é uma das espécies cujos frutos flutuantes pegam carona em enxurradas para depositar as sementes em outras regiões

VOCABULÁRIO DO CIENTISTA

Na botânica, a capacidade que as sementes têm de se espalhar por aí para perpetuar as espécies é chamada de síndrome de dispersão das sementes. O fenômeno se divide em várias categorias, de acordo com o meio usado pelos grãos para se deslocar para longe da planta-mãe. Conheça os nomes que os estudiosos da área escolheram para designar alguns desses processos:

• Anemocoria: é a dispersão pelo vento. Acontece com sementes leves e pequenas que, muitas vezes, podem contar com asas. Exemplos: tipuana, ipê-amarelo, dente-de-leão e orquídeas em geral

• Zoocoria: é a dispersão por animais e engloba subcategorias como ornitocoria (quando o processo se dá com a ajuda de aves), primatocoria (dispersão por macacos) e chiropterocoria (por morcegos). Nesses casos, os grãos são envoltos por frutos com polpa, que atraem os bichos pela cor ou pelo cheiro. Exemplos: amora, morango-silvestre e pimenta, que são dispersados por pássaros; seriguela, dispersada por macacos; e manga e figo, dispersados por morcegos

• Hidrocoria: é a dispersão pela água. Ocorre com sementes envoltas por frutos que boiam, como o cocoda- baía. As espécies de mangue e terrenos ribeirinhos, como o ingá, também entram nessa categoria

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