Descubra como matei dezenas de orquídeas, o tomate e aquela suculenta que estava linda na floricultura

– Por Carol Costa

E lá tinha uma vida inteira pela frente: era bela, saudável, acabara de ser mãe pela primeira vez. Parecia feliz na casa nova. Não faltava nada para Vanda, nem amor, nem admiração. Todos os que iam vê-la se apaixonavam por sua presença luminosa, colorida e delicada e me davam os parabéns por ter uma filha tão especial.

Seu policial, se o senhor soubesse como é difícil falar na Vandinha… Nunca houve uma orquídea mais perfeita no mundo – lembro que levei anos juntando dinheiro para comprá-la e saí do orquidário me sentindo um ser superior, abençoado pela beleza das pétalas lilases, cheias de sardas roxas. Ah, aquelas sardinhas…

Eu juro que sou inocente, senhor policial, escreva aí no meu depoimento. Admito que cuidei dessa planta com todo o meu carinho, que adubei com os melhores adubos, que não deixei Vanda passar necessidade. Em alguns meses eu exagerava um pouco a adubação só pra ver se ela dava ainda mais flores. Não sabia que não podia fazer isso. Achava que, quanto mais comida eu desse, melhor pra ela. Como é que eu ia saber que adubo em excesso pode matar, senhor policial? Como?

Se essa foi minha única vítima? Olha, já que o senhor perguntou, não foi, não. Eu assumo que tenho um monte de corpos enterrados lá em casa – quer dizer, de vasos vazios, porque os restos mortais das minhas plantas já viraram pó faz tempo.

Quero dizer uma coisa em minha defesa – o senhor pode anotar na minha confissão? Ok, eu matei. Matei dezenas, talvez centenas de plantas. Matei feijõezinhos no algodão, porque não sabia que precisavam ser plantados depois em outro lugar. Matei sementinhas de hortaliças que afundei muito na terra e não conseguiram ver a luz do dia – coitadas, tão novinhas, nunca teriam forças para tirar uma grossa camada de substrato de cima de si.

Até meus tomateiros morreram, mas esses foi porque a jardineira ficou do lado de fora da janela. Minhas maiores vítimas foram as orquídeas, mas eu juro que seguia as orientações dos vendedores à risca. “Orquídea dá trabalho, não gosta de água, é difícil, não pode tomar sol.” Quem conseguiria cuidar de uma falenópsis assim? Ou fazer uma chuva-de-ouro florir sem água e à sombra? Só estou dizendo isso para o senhor depois investigar, pois podem existir outros gardens killers por aí, matando impunemente e achando que estão fazendo tudo certo.

Não sei de onde inventaram essa coisa de que orquídea não gosta de água, senhor policial. Elas são tropicais, como que não vão gostar de água? Elas amam água! Só não curtem ficar com as raízes encharcadas o tempo todo, mas isso agora eu sei, afinal, orquídea não é planta aquática, né? E por mais que a gente sinta calor num dia quente, se ficar o dia todo com os pés molhados, vai ficar com chulé, não é, seu policial?
Orquídea não tem chulé porque raiz não é pé, mas vai sofrer com fungos e bactérias do mesmo jeito se estiver quente, úmido e abafado. Descobri isso do pior jeito, mas agora eu sei.

Sei também que, se temos tendências assassinas no jardim, não devemos ir atrás de vítimas – er, quer dizer, de plantas – que exijam muitos cuidados. Podemos começar com as moças mais amigas do jardineiro iniciante, como as suculentas, a pleomele, a dracena, o bambu-da-sorte e muitos cactos.

Foi matando que descobri o segredo que as plantas tanto escondem: que há uma espécie certa para cada canto da sua casa. E que, se você acertar qual é, vai ter pouquíssimo trabalho para mantê-la bonita e saudável. Que o truque pra saber quem é a tampa da sua panela é ver quais condições você tem para oferecer à escolhida. Bate sol? Venta muito? Tem pouco ou muito tempo pra  regar? E cachorro, gato, criança, quem pode fuçar no vaso? Essas coisas contam muito, seu policial. Eu diria que são atenuantes de culpa, não acha?

Porque se é verdade que eu matei plantas, também é certo que foi com a melhor das intenções, tentando fazer tudo direitinho pra ter um canto verde em casa. Só esqueci de pesquisar, de conhecer antes as minhas novas moradoras e saber do que elas precisavam para viver. Eu achava que quanto mais desse – água, adubo, terra, sol –, melhor seria. Infelizmente foi preciso uma fatalidade dessas, a Vandinha morrer afogada e intoxicada por excesso de NPK, para eu entender.

O senhor não vai me prender? Como assim? Mas eu acabei de confessar muitos crimes! Ah, os jardineiros têm direito de errar desde que tentem aprender com isso e sigam plantando? Olha só, essa é novidade para mim! Até que é uma boa! Então posso ter plantas de novo em casa? Ai, que coisa boa! É agora que eu acerto!

Alô, suculentas, vamos tentar vocês dessa vez?

 


Carol Costa é jornalista, jardinista e idealizadora do blog Minhas Plantas (www.minhasplantas.com.br). Tem uma coluna na rádio BandNews FM e apresenta o programa “Mais cor, por favor” no canal GNT

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