– Por Eduardo Gonçalves

Flores são tão bonitas que muita gente até se esquece que elas têm como principal função garantir a reprodução das plantas – é delas que surgem os frutos, e, consequentemente, as sementes. Entretanto, ao contrário dos animais, as plantas não são capazes de sair por aí procurando parceiros com quem cruzar. O equivalente botânico do espermatozoide fica dentro de uma estrutura chamada grão de pólen, e tal grão precisa ser levado para o lugar certo.

Ao longo da história da vida, coube aos animais a nobre e insólita tarefa de fazer esse transporte, a princípio em troca de um pouco de açúcar. Notáveis por sua mobilidade em terra, ar e água, eles levam os grãos aonde for necessário. Mas se há várias espécies de plantas, cada qual produzindo seu próprio pólen, como é que eles não se confundem na hora de entregar o pólen?

O melhor jeito de entender a atuação dos polinizadores é fazendo uma analogia com os prestadores de serviços humanos. No mundo moderno, alguns profissionais fazem todo tipo de trabalho para todo tipo de cliente – que o digam os chamados “maridos de aluguel”. Outros são superespecializados, como o que afina pianos produzidos no século 19. Obviamente, o preço cobrado por um especialista costuma ser bem diferente do preço de um faz-tudo. Da mesma forma, existem alguns polinizadores que só visitam um tipo de flor – às vezes de uma única espécie –, e outros que visitam inúmeras plantas – caso da abelha-europeia, que poliniza uma centena de espécies e ainda arranja tempo para ficar rodeando o carrinho do caldo-de-
cana. No fim das contas, cabe à planta a decisão entre o especialista ou o “faz-tudo”.

De uma forma egoísta, a maior parte das plantas se daria melhor com apenas um polinizador. As entregas seriam absolutamente eficientes, sem desperdício de pólen ou de açúcar. Mas, como muitas espécies só florescem por um pequeno período de tempo, os especialistas não teriam o que comer pelo resto do ano. Eu também gostaria de ter um especialista em consertar só as coisas da minha casa, mas ele morreria de fome quando nada estragasse por lá. Então, assim como na economia, a Natureza tem que ser bem mais dinâmica. Algumas plantas acabaram aceitando mais de um tipo de polinizador, ou dividindo-os com espécies que florescem em outras épocas do ano.

Mas o que atrai tais organismos? Animais são baseados em sentidos, e as plantas sabem disso. Se querem atrair animais olfativos – besouros, morcegos ou moscas –, investem no cheiro. E o tipo de aroma muda tudo: morcegos gostam do cheiro de manteiga rançosa, enquanto moscas preferem o de frutas fermentadas ou até de carne em decomposição. Já os animais visuais, como as abelhas, gostam de branco, azul e amarelo. Beija-flores amam todos os tons entre o laranja e o vermelho. E ainda é preciso levar em conta o horário. Plantas polinizadas por morcegos precisam se abrir à noite, ou não terão visitantes.

No fim das contas, a combinação é que conta: plantas que abrem suas grandes flores no fim da tarde e emitem cheiro de anis atraem grandes besouros. As que atraem abelhas abrem no início da manhã e geralmente são amarelinhas, brancas ou azuis, com cheiro adocicado. E quem não conhece a damada-noite, com suas flores noturnas e cheiro quase inebriante, especialista na atração de mariposas? Combinando tudo isso com outras características de tamanho e época de floração, as plantas acabam selecionando se terão muitos ou poucos visitantes, decidindo se podem ou não pagar pelos seus valiosos serviços. O importante é que todo mundo tenha o direito de trabalhar nesse mercado das flores.

Foto: Shutterstock


Eduardo Gomes Gonçalves é paisagista, doutor em Botânica, autor do livro Se não fugir, é planta! e escreve sobre curiosidades do mundo da biologia


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