– Por Eduardo Gonçalves 

De acordo com a fértil mitologia grega, Procusto era um semideus que mantinha uma fortificada residência à beira de uma importante rota e convidava os desavisados viajantes a passarem uma noite com ele. Uma única cama era oferecida ao infeliz, que deveria se encaixar perfeitamente nela. Se o visitante fosse maior que a cama, Procusto utilizava seu equipamento de ferreiro para serrar a parte excedente. No caso de um visitante menor que a cama, o cruel anfitrião usava uma parafernalha engenhosa para esticá-lo até ele se encaixar precisamente no espaço disponível. Algumas versões da lenda contam que, para garantir que ninguém escapasse ileso, o maléfico semideus tinha duas camas e mostrava ao incauto visitante sempre aquela em que ele certamente não caberia. A maldade só teve fim no dia em que o herói Teseu colocou Procusto atravessado em sua própria cama e cortou os pés e a cabeça do tirano.

Você deve estar se perguntando o que uma história tão violenta tem a ver com o universo dos jardins. Na verdade, vivemos em uma era onde as plantas – e não os viajantes atenienses – sofrem os efeitos de uma epidemia de jardinagem procusteana. Plantamos árvores sob a fiação e depois cortamos o topo das pobrezinhas para adequá-las ao espaço disponível. Até plantas tão voltadas para o crescimento, como os bambus, sofrem com a síndrome de Procusto: em vez de atingir até 5 m de altura, o bambu-de-jardim acaba virando uma cerca viva de 1 m.

O pingo-de-ouro é outra vítima. Antes capaz de lançar suas belas flores violáceas e frutos alaranjados em tantos ramos pendentes, hoje virou um caixote vegetal com pouco mais que 50 cm de altura.

É claro que existem maneiras saudáveis de dar vazão ao instinto procusteano. A própria arte da topiaria traz em si um pouco desse pensamento. A diferença é que muitos dos arbustos usados para esse fim já se comportam assim na Natureza: reagem ao efeito do pastoreio aumentando a densidade de suas folhas e ramos. A topiaria tradicional apenas tira proveito dessa característica.

O problema surge quando a tentativa de conter as plantas pelo corte ultrapassa o limite do razoável. Recentemente, tenho visto palmeiras e agaves com as folhas cortadas, completamente desfigurados para se encaixar nos espaços onde foram plantados. Já presenciei até uma palmeira em vaso com a coroa de folhas cortada pela metade para caber sob o teto. Acontece que os “ramos” de uma palmeira são folhas, não galhos. Cortá-los não os fará brotar densamente, como aconteceria com o buxinho. Na verdade, topiar palmeiras é uma das maneiras mais rápidas de matá-las. O mesmo vale para agaves e
bromélias e outras plantas de folhas grandes.

Existem mais de mil espécies ornamentais no mercado brasileiro, cada qual com um tamanho máximo e formato definido – isso sem contar outros milhares de plantas nativas com potencial para serem usadas como ornamentais. Mesmo assim, nas nossas vidas cada vez mais ocupadas, insistimos em usar a planta errada, para depois desfigurá-la sob a justificativa de adequação ou segurança. Um pouco de ignorância e um pouco de desinteresse transformou cada pedacinho verde das cidades em um torturado Jardim de Procusto.

Vítimas da jardinagem procusteana, os pingos-de-ouro são transformados em caixotes verdes e não exibem mais suas flores lilases e frutos amarelos

 


Eduardo Gomes Gonçalves é paisagista, doutor em Botânica, autor do livro Se não fugir, é planta! e escreve sobre curiosidades do mundo da biologia

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