Conheça o penjing, a arte chinesa que usa plantas de verdade para recriar paisagens em bandejas

Texto Laura Neaime | Fotos André Fortes

Hoje, tirar fotos é o jeito mais comum de registrar momentos e locais especiais. Entretanto, em uma época em que a fotografia não passava de um sonho e os trabalhos manuais eram uma prática comum, monges budistas decidiram usar plantas e pequenas peças de artesanato para dar vida às recordações que haviam ficado do lado de fora dos monastérios. A técnica, que nasceu há 3.500 anos, é conhecida como penjing e consiste na reprodução em escala reduzida de uma paisagem natural.

No Brasil, a arte ainda é pouco conhecida, mas tem no mineiro Wander Rodrigues de Oliveira um de seus adeptos. Ele descobriu o penjing há 13 anos e, de lá para cá, vem recriando cada vez com mais detalhes fragmentos de sua memória. Fazem parte de sua obra reproduções da chácara do irmão, de sua cidade natal e, até, da linha do trem, de onde ele e os amigos costumavam pular no rio e refrescar-se nos dias mais quentes.

BELEZA CATEGORIZADA 

Graças ao cuidado com a condução das raízes é possível cultivar as espécies usadas no penjing em apenas 5 cm de terra

O micropaisagismo chinês tem três principais variações: a sanshui – em que paisagens completas são representadas com construções, plantas e animais; a suihan – traduzido do chinês como água e terra –, que soma aos elementos da versão anterior representações de lagos, rios e mares, sem o uso de água; e a shumu, o cultivo conduzido de espécies, que teria dado origem ao bonsai.

Um dos maiores trabalhos de Wander – e também um de seus favoritos – se enquadra na primeira versão de penjing, o sanshui. A fazendinha de 2 m x 2,20 m foi inspirada na casa do irmão, em Morangal, MG, e chama a atenção pelo cultivo de árvores e coníferas em uma camada de apenas 5 cm de terra.

O mineiro explica que o desenvolvimento de plantas como jabuticabeira (Plinia cauliflora) (1) e junípero-das-ilhas-bonin (Juniperus procumbens) (2) só é possível nessas condições graças a um cuidado prévio com a condução das raízes, que devem ser guiadas de modo que se espalhem horizontalmente pelo substrato. Miniaturas de cavalo, uma pequena ponte e uma casa típica de fazenda complementam a atmosfera campestre.

Já a representação da linha do trem em sua cidade natal – Soledade de Minas, MG –, é um exemplo da categoria suihan. Nessa peça, a área do lago não é preenchida por água: a presença do elemento é apenas sugerida pela
exposição do fundo da bandeja.

Miniaturas de peso: para compor a fazendinha, os cavalos foram importados da Alemanha, e o telhado da casa, feito com lascas da casca de pinhão coladas uma a uma

EM ESCALA

Reproduzir uma paisagem que ocupa uma área de quilômetros quadrados em apenas alguns centímetros ou metros não é para qualquer um. Deu trabalho, mas Wander conseguiu recriar toda a cidade de Soledade de Minas em uma bandeja de apenas 1 m de diâmetro, conhecida como suiban. As casinhas foram retiradas de decorações natalinas – o artista confessa que levou alguns dias até remover toda a purpurina que simulava a neve sobre os telhados –, e o relevo, recriado por peças de isopor que sustentam os canteiros, disfarçados por pedras sobrepostas.

Wander usou como base para a criação do penjing uma bandeja de fibra de vidro. “O certo seria ter usado um suiban de mármore. Porém, devido à pouca disponibilidade do material e seu alto custo, optei pela fibra de vidro”, explica o artista, que às vezes também usa pratos de resina para criar seus trabalhos.

Na construção da cidade, peças de isopor serviram como barragem para a terra dos canteiros. O arremate ficou por conta das pedras naturais

A ARTE NOS DETALHES

No buxinho (Buxus sempervirens) (1) de 20 cm conduzido como bonsai, a casinha do joão-de-barro é o foco de todas as atenções. Não é à toa: a reprodução da moradia da ave não é maior do que uma moeda de cinco centavos e foi modelada à mão.

Já no penjing inspirado na casa de um primo, na Serra da Mantiqueira, foi uma raiz reaproveitada que se destacou. Após secar e ser impermeabilizada, a estrutura foi posicionada no suiban invertida – com a ponta da raiz para cima – e serviu de apoio à casa em miniatura, replicando a paisagem rochosa.
Para que esses e outros detalhes possam ser devidamente apreciados, Wander
explica que há uma altura ideal para a exposição das peças. “O recomendado pelos estudiosos é de 95 cm a 1 m, assim é preservado o ângulo perfeito de observação”, complementa.

Independentemente do ponto do qual é vista, uma coisa é certa: esta arte milenar sempre será capaz de cativar novos admiradores e transportá-los a memórias cheias de significado.

A casa do joão-de-barro colocada no ramo do buxinho de 20 cm de altura encanta pela delicadeza

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