Cada cacho tem muitas cores, mas os insetos já sabem: as flores amarelas estão chamando e as vermelhas não querem papo. Entenda o porquê

TEXTO Luiz Mors Cabral | FOTOS Acervo Natureza

As Lantanas atraem borboletas com suas cores vivas

A maioria das plantas ornamentais é selecionada por suas características estéticas como forma, tamanho ou fragrância. Algumas são valorizadas pela resistência, ou pela longevidade. Mas, sem dúvida, os atributos mais marcantes de uma planta ornamental são as cores das folhas e flores. As cores das flores são afetadas por três tipos principais de pigmentos: flavonoides, carotenoides e betalaínas.

Geralmente, as betalaínas criam vermelhos ou roxos, e respondem, por exemplo, pela coloração marcante da beterraba. São pigmentos hidrossolúveis, o que justifica a coloração roxa da água na qual a beterraba é cozida, ou a desagradável mancha que ela deixa nas mãos ao ser descascada. Carotenoides são terpenos, os responsáveis principalmente pelas cores amarelas e laranjas. Já os flavonoides têm outra estrutura química (são compostos fenólicos) e incluem as antocianinas, que produzem vermelho, escarlate, amarelo pálido, magenta, cores violeta e azul. É o balanço entre essas três classes de pigmentos que produz a enormidade de padrões de cores que tanto fascina aos jardinistas. Apesar de não serem substâncias primordiais para a vida das plantas, esses pigmentos desempenham um papel fundamental durante sua reprodução, servindo como atrativo para os polinizadores.

Mas um fenômeno curioso relacionado à produção de pigmentos chama a atenção em algumas plantas: o polimorfismo de cores. Plantas com polimorfismos de cores têm a interessante capacidade de mudar de cor rapidamente em resposta a algum estímulo externo. Existem diversas plantas com polimorfismo de cores, mas um bom exemplo é a Lantana camara. Esta planta floresce quase o ano todo e é praticamente onipresente nos jardins brasileiros. A Lantana, como muitos outros membros da família Verbenaceae, carrega suas flores em cachos.

O detalhe que faz toda a diferença é que, conforme vão sendo polinizadas, mudam drasticamente de cor. Inicialmente suas flores são de um amarelo vivo, que depois se converte em vermelho. Elas são tão comuns nos jardins brasileiros que eu tenho certeza de que você já se deparou com Lantanas por aí, com seus cachos de flores multicoloridas. Mas por que Lantanas mudam de cor? Uma flor é a estrutura reprodutiva de uma planta. Seu trabalho é liberar e coletar pólen para que depois a planta possa produzir sementes. As plantas usam a cor das flores — junto com a fragrância — para atrair seus polinizadores ideais, sejam abelhas, beija-flores, borboletas ou qualquer outra coisa.

O amarelo é o pigmento mais atraente para insetos, os principais polinizadores de Lantana em muitas regiões. Por questões ligadas à fisiologia desses organismos, insetos reconhecem com facilidade cores amarelas, enquanto magenta, laranja e vermelho são menos atraentes. Essas cores podem afastar os insetos das flores polinizadas, onde a planta não precisa mais do seu agente polinizador. Quimicamente, a polinização paralisa a produção dos carotenoides que dão a coloração amarela às flores, e iniciam a produção das antocianinas. Em um período de horas o balanço entre esses pigmentos se altera, e a flor vai se tornando cada vez mais vermelha.

Assim, a mudança de cor funciona como um aviso para o polinizador que aquela planta já está fertilizada. Um aviso que afasta insetos quando eles não são mais necessários. O mecanismo exato que faz com que a polinização afete a produção dos pigmentos ainda é desconhecido, e Lantanas não são o único exemplo de polimorfismo de cores em resposta à polinização. Eu sempre reparo nessas plantas. É inevitável, enquanto passo por elas, pensar em quais já foram e quais ainda esperam pela polinização. Eventualmente, reparo em pequenas alterações nas cores, denunciando que a visita do inseto acabou de acontecer. É um exercício interessante que me permite desvendar um pouco a intimidade dessas plantas. As amarelas chamando, todas animadas, enquanto as vermelhas, satisfeitas, dispensam a visita.

Por questões ligadas à fisiologia desses organismos, insetos reconhecem com facilidade cores amarelas, enquanto magenta, laranja e vermelho são menos atraentes

O ESPECIALISTA

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal
Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

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