Orgulho híbrido

– Por Eduardo Gonçalves 

Faz de conta que você tem uma orquídea de flores incrivelmente vermelhas  mas que só da meia dúzia de flores de cada vez. Agora suponha que em sua coleção exista uma ou outra orquídea com cachos repletos de flores, mas cuja cor  está longe de ser tão interessante quanto a da primeira. As duas estão florindo lado a lado e, enquanto observa o espetáculo, você começa a se perguntar como seria se existisse uma orquídea com a cor da primeira, mas que produzisse tantas flores quanto a segunda.

Sabendo como as flores geram suas sementes, você bola um plano infalível: resolve da uma de abelha e colocar o pólen de uma espécie na flor da outra. Depois de alguns meses, um fruto se forma e, se você tiver sorte, pode ser que alguns indivíduos gerados a partir dessa experiência realmente apresentem a cor da primeira  espécie e a quantidade da flores da segunda. Parabéns você terá criado um híbrido artificial.

Alguns puristas vão dizer que você subverteu a Natureza gerando seres bizarros que, de fato, não deveriam existir. Só que você não é o único a brincar de misturar espécies: abelhas e outros polinizadores não fecundam as flores por profissão, mas por interesse próprio – normalmente quando se alimentam. As plantas até tentam assegurar que os polinizadores entreguem o pólen corretamente, mas não há garantias. De vez em quando, os animais erram e surgem espécies misturadas, os chamados híbridos naturais.

Talvez você tenha aprendido que os híbridos são sempre estéreis, mas isso está longe de ser uma verdade absoluta, especialmente quando o assunto são plantas. Só para lembrar de alguns, o trigo, o milho, e café e muitas das bananas que comemos hoje são, comprovadamente, orgulhosos resultados de hibridização natural. Essencialmente, basta que duas espécies ocorram na mesma área e sejam polinizadas pelo mesmo animal – ou até pelo vento – para que se tornem candidatas da mistura. Em uma coleção e sob os cuidados de um humano entediado, no entanto, a coisa parece não ter limites.

Será que podemos realmente misturar qualquer coisa? Eu, que não tenho muita paciência com comidas que dão trabalho, adoraria, por exemplo, um abacaxi fácil de descascar como uma banana! Só que os estudos mostram que as chances de as misturas dar certo dependem do grau de parentesco entre as plantas. É muito fácil cruzar duas especies de laranjas – ou até um limão com uma laranja -, mas talvez seja impossível cruzar uma laranja com uma maçã. Como o grau de parentesco entre elas é distante, seus DNAs trabalham de maneira muito diferente, tornando a mistura incompatível.

Mesmo com toda essa dificuldade, existem orquídeas que são fruto do cruzamento de quatro, talvez até mais espécies. Para tanto o resultado de um cruzamento é misturado com uma terceira  espécie, depois com uma quarta e assim sucessivamente.

Não há dúvidas que é importante conservar as espécies naturais, aquelas que evoluíram adaptando-se aos diferentes ambientes. Mas também não devemos ser tão duros com aqueles espíritos criativos que gostam de cruzar tudo quanto é planta só para ver no que vai dar. Recentemente descobriu-se que boa parte dos humanos modernos carrega em seu genoma algo entre 3% a 7% do DNA de outras duas espécies próximas: os neandertais e os denisovanos. No passado, nós nos beneficiamos da mistura, então, relaxe e celebre o orgulho híbrido!

Conhecida por aqui como orquídea chocolate, a Oncidium Sharry Baby é fruto do cruzamento de quatro orquídeas: uma da América do Sul, uma do México, uma da América Central e outra do Caribe. É uma autêntica orquídea pan-americana


Eduardo Gomes Gonçalves é paisagista, doutor em Botânica, autor do livro Se não fugir, é planta! e escreve sobre curiosidades do mundo da biologia


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