Rara e cara, a Cattleya walkeriana ‘Feiticeira’ encanta com sua cor intensa e forma impecavelmente simétrica

TEXTO Heloísa Cestari | FOTOS Valerio Romahn

Pergunte a qualquer orquidófilo qual a mais perfeita das Cattleya walkeriana. A resposta será sempre a mesma: a ‘Feiticeira’. O motivo? Além de encantar pelo tamanho, pelo perfume e pelo intenso tom de lilás, as flores do cultivar apresentam uma simetria tão perfeita que viraram referência para o julgamento das Cattleya walkeriana em exposições e concursos. Junte a isso o fato de ela só ter sido encontrada uma vez na natureza e ser impossível de reproduzir em série, e fica fácil entender por que é tão valorizada.

“Na ‘Feiticeira’, as duas pétalas na parte de cima se tocam, formando uma espécie de gota d’água. Isso não é comum nas walkerianas. O lilás dela também é muito forte. Mas o que a tornou famosa mesmo foi a forma arredondada e a configuração geométrica perfeita de suas flores, com dois triângulos iguais. Em outras variedades, o triângulo formado pelas três sépalas é menor”, explica o especialista Erwin Bohnke, da EB Orquídeas.

Além da forma perfeita da flor, o perfume e o impressionante tom de lilás fazem da Feiticeira uma orquídea pra lá de especial

O feitiço do cabloco

Tudo começou na década de 1960, em Sete Lagoas, MG. O orquidófilo José Dias de Castro viu sobre a mesa da casa do explorador e sapateiro Zé do Mato uma flor da ‘Feiticeira’ cortada. Encantado, quis saber a qual orquídea ela pertencia e o caboclo, muito esperto, respondeu que não tinha como saber, pois a havia colocado em um saco junto com outras orquídeas coletadas na mata. Com essa desculpa, assegurou a venda de todas as plantas do saco a Castro, que ainda teve de esperar que cada uma delas florescesse para descobrir a qual delas pertencia a tal flor única.

Quando ela finalmente se revelou, Castro perguntou ao amigo Orestes Loboda, outro apaixonado por orquídeas: “Não é um feitiço?”. Igualmente vidrado pela novidade, o colega não apenas concordou como sugeriu chamá-la de “Feiticeira”.

De lá para cá, os feitiços dessa Cattleya só cresceram. Para começar, ela nunca mais foi vista na natureza, suas sementes são estéreis e a clonagem por meio de meristemas tem fracassado no intuito de produzir exemplares tão perfeitos quanto a Feiticeira’ original. A explicação está em uma alteração natural no número de cromossomos da espécie. “Ela tem uma mutação genética, chamada aneuploidia, que a impede de ser usada como matriz para a multiplicação em grande escala. Isso porque os clones tendem a não ser tão perfeitos quanto a planta original, que ainda apresenta uma certa dificuldade de cultivo”, explica Bohnke.

Na Feiticeira, as duas pétalas superiores se tocam, formando uma gota no centro. A geometria de suas flores também é perfeita: exibe dois triângulos iguais

Como a única forma de multiplicá-la é por divisão da planta mãe, o preço dos exemplares é alto e você dificilmente encontrará um à venda em um garden center. “Só colecionadores têm ‘Feiticeiras’. Hoje, quando se encontra uma muda à venda na internet, por exemplo, trata-se de uma planta produzida por meristema em laboratório, ou seja, um clone sem garantia alguma de que vá produzir uma flor excepcional”, diz o produtor da EB Orquídeas, que completa: “O corte da planta original pouca gente tem, e quem tem não vende por menos de R$ 1.000 cada pseudobulbo”.

É o caso do Orquidário Imirim, em São Paulo. A planta original está à venda no site www.orquidarioimirim.com.br por R$ 4.500, e há outras brotando para mais cortes. De acordo com Ronaldo Sabino, sócio-proprietário do orquidário, o exemplar foi adquirido diretamente de um amigo de Castro.

Depois que é feita a divisão, é necessário aguardar um tempo, que pode variar de dois a três anos, até que seja possível ter uma nova muda. “Já tivemos vasos com mais de 30 bulbos, mas a ‘Feiticeira’ não aceita cortes contínuos. Regride e a reposição é demorada”, diz Sabino, que ainda aconselha sacrificar a primeira e até a segunda florada a fim de que a planta pegue realmente força para mostrar toda a qualidade de sua flor.

Como a feiticeira só foi encontrada uma vez na natureza e não pode ser multiplicada por clonagem, a única forma de se ter a espécie é comprando uma muda obtida a partir da divisão da planta original. A reprodução é lenta, e cada muda não sai por menos de R$ 1.000

Para não errar

Caso você seja um desses felizardos que possuem um exemplar de ‘Feiticeira’, cultivá-la corretamente é fundamental para não perder uma variedade tão rara de orquídea. “Assim como qualquer outra Cattleya walkeriana, ela não gosta de crescer em vaso, a não ser que se coloque um toco de madeira dentro de um vaso de barro baixinho, próximo do chão, e cheio de furos”, comenta Bohnke. “O que as walkerianas geralmente mais gostam é de uma placa de peroba ou cascas de árvores bem rugosas”, completa Sabino.

O substrato também deve ser bem arejado, com adubação foliar adequada, e o clima ideal é o tropical de altitude. “O ambiente deve ser quente e seco durante o dia e com boa queda de temperatura à noite, quando a umidade relativa do ar tende a se elevar”, ressalta Bohnke, que não tem um exemplar, mas, assim como todo apaixonado por orquídeas, já se deixou enredar pelos feitiços da planta.

Sabino também ressalta o aroma e a importância de haver alta luminosidade. “É uma planta de locais mais secos, que sobrevive com o sereno da noite, e suas flores geralmente têm um maravilhoso perfume.”

Seja qual for o “feitiço”, o fato é que, até hoje, todos os exemplares deste cultivar de walkeriana encontrados no mercado descendem daquela mesma orquídea descoberta por José Dias de Castro há mais de meio século. Desde então, o único meio possível de multiplicação consiste no demorado processo de divisão da planta original. E assim, de divisão em divisão, ela vai enfeitiçando orquidófilos e arrebatando os corações de colecionadores do Brasil e do mundo com sua cor, fragrância e formato únicos.

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