Se permita um novo olhar para besouros, aranhas, baratinhas e outras criaturas cheias de perninhas que trabalham pesado para seu jardim viver cheio de borboletas

“Manhê!!! Tem um BICHO aquiiiii!” Dona Bia invadia o banheiro, abria o box com superpoderes de mãe e me encontrava, apavorada, num canto do azulejo, empunhando o chuveirinho como arma, as panelinhas enchendo de água e sabão. Ali, na parede, me olhando desafiador, um mosquitinho curtia feliz o vapor do lugar.

Fui uma criança tipicamente chiliquenta com insetos. Fazia um escarcéu cada vez que uma abelha aparecia, mesmo que detectada no alto da árvore, entretida com os afazeres dela. Passar uma tarde num parque era um problema. Odiava moscas, besouros e pernilongos como se fossem inimigos pessoais. E tinha pânico real – de sair correndo trombando nas coisas – só de ouvir o som do louva-a-deus, mesmo que ele estivesse sossegadinho brincando de ser folha. Te juro que eu conseguia ouvi-lo a metros de distância. Nem as esperanças me animavam a uma aproximação – pra mim esse nome só podia ser uma piadinha infame, já que elas estavam mais para “pânico e desespero mortal” do que para “bicho verde voador inofensivo”.

Quem acabou com meus medos, curiosamente, foi o mais fofo dos insetos, a joaninha. Numa pesquisa sobre como exterminar pulgões, topei com um bicho asqueroso, preto e branco, com o corpo cheio de crostas esquisitas e muitas, muitas perninhas. Só podia ser uma nova praga, vinda dos céus para enlouquecer os jardineiros de bem. Mas não, era o bebê da joaninha. Assim como as borboletas, as joaninhas mudam radicalmente depois de um tempo. A vantagem é que em vez de detonar as plantas, as larvas delas são predadoras de pulgões, exatamente como seus pais.

Bateu um baita remorso quando me dei conta de que devo ter matado centenas de bebês joaninha achando que eram pragas. Meses depois, encontrei um livro sobre abelhas sem ferrão e descobri que o que eu leigamente colocava na categoria de “mosquitinhos infernais” eram polinizadoras maravilhosas das minhas plantas. Parei de cortar as flores do manjericão e confirmei que muitas abelhinhas nativas conseguiram encontrar a minha horta mesmo num andar alto de um prédio cinza de São Paulo.


Quanto mais eu lia sobre plantas, mais aceitava os insetos, fungos, bactérias e outras criaturinhas crocantes que habitam os jardins. Conheci os crisopídeos, uns bichinhos alados de asas e corpo verde brilhante, grandes comedores de larvas em geral. Passei a pegar na mão até as baratinhas de solo, redondinhas e tímidas, que rapidamente escavam a terra para se esconder toda vez que faço um plantio. Essas baratinhas comem matéria orgânica em decomposição e não têm o menor interesse pelas comidas que você guarda na cozinha – as minhas só aparecem quando chove demais e os canteiros encharcam.
Com os livros da agrônoma Ana Maria Primavesi acabei percebendo que há uma vida pulsante e ativa sob meus pés. Que fungos e bactérias quase sempre AJUDAM as plantas a crescer e sintetizar nutrientes. Que muitos outros serezinhos minúsculos vivem na terra e contribuem para o bem-estar de cada pezinho de alface, de cada flor, de qualquer árvore que viva naquele lugar. Às vezes, esse delicado equilíbrio se perde, mas, se a gente permite que a Natureza reassuma o controle, mais cedo ou mais tarde uma multidão de seres com perninhas vai ajudar a estabilizar tudo outra vez.


Eu, claro, estou longe de ser um elfo e andar com borboletas ao meu redor. Não fico completamente à vontade com grandes insetos voadores, mas um dia chego lá. Por enquanto, torço para nenhum louva-a-deus cruzar meu caminho – a esperança, eu bem sei, é a última que morre.

Carol Costa é jornalista, jardinista e idealizadora do blog Minhas Plantas (www.minhasplantas.com.br). Tem uma coluna na rádio BandNews FM e apresenta o programa “Mais cor, por favor” no canal GNT

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