Os frutos da Synsepalum dulcificum conseguem deixar doce o limão e qualquer outro alimento ácido

TEXTO: Luiz Mors CabralFOTOS: Acervo Revista Natureza

A fruta-do-milagre é um pequeno arbusto muito fácil de encontrar no Brasil. Talvez você até já tenha visto por aí, só não sabia de seu superpoder

Desde 2016 sou o orgulhoso proprietário de uma muda de Synsepalum dulcificum. A muda foi um presente da minha amiga Gabriela Setta, que é paisagista e conseguiu a planta para mim com um de seus fornecedores. O que torna essa planta nativa da África Ocidental tão interessante é que ela produz uma frutinha que, apesar de não ter gosto doce, causa uma sensação de grande doçura se consumida antes de alguma coisa ácida. Por causa dessa propriedade tão interessante, as bagas da Synsepalum dulcificum são conhecidas como fruta-do-milagre. A primeira menção à fruta-do-milagre foi feita por Reynaud Des Marchais, um cartógrafo que navegou extensivamente pelas costas da África e Ásia a serviço do Rei da França. Em seus diários, publicados com o nome Voyage du Chevalier des Marchais em Guinea, em 1725, ele escreve que “a fruta tem a propriedade de tornar doce qualquer coisa azeda ou amarga que se ponha na boca logo depois que é mascada”.

A polpa do fruto é rica em miraculina, uma substância que engana os receptores na língua, e fazem com que o cérebro detecte como doce qualquer sabor ácido

Sabe-se também que a frutinha era amplamente consumida na região onde hoje é o Benin. Ali, os habitantes consumiam os frutos antes de se alimentarem com pães típicos, como o guddoe e o kanki, ou mesmo antes de tomar pitto, a cerveja local. Em comum, o guddoe, o kanki e o pitto têm o fato de serem extremamente ácidos, resultado de um processo rústico de fermentação natural que gera grandes quantidades de ácido lático. Na superfície da língua existem dezenas de papilas gustativas, cujas células sensoriais percebem os quatro sabores primários (amargo, azedo ou ácido, salgado e doce) além do chamado quinto sabor (umami). As células sensoriais são estimuladas pelas moléculas presentes nos alimentos, disparando uma sinalização que vai até o cérebro, onde a combinação de estímulos é decodificada e sentimos o sabor dos alimentos.

O mistério sobre como atua a fruta só foi revelado recentemente, em um artigo de Nele, é demonstrado que a miraculina, uma glicoproteína, se liga de forma muito forte aos receptores responsáveis pela identificação do sabor doce em nossa língua. Sempre que o receptor estiver ligado à miraculina e entrar em contato com qualquer solução ácida, ele sofre uma alteração em sua conformação, tornando-se fortemente ativado. Ou seja, a miraculina, junto com uma solução ácida qualquer, faz com que os receptores para sabores doces sejam superexcitados. Quase diariamente analiso se minha plantinha está gerando frutos. Essa semana, fui agraciado com o surgimento de dois, ainda em início de desenvolvimento. É um evento raro, já que em seis anos que tenho a planta esta é apenas a segunda vez que ela frutifica. As duas frutinhas ainda jovens já me animam tremendamente. É incrível morder a baga e logo depois chupar um limão: o gosto doce dá um nó no cérebro, tão acostumado à acidez do limão! É de fato um milagre. Mudas de Synsepalum dulcificum podem ser compradas facilmente em hortos, floriculturas ou pela internet. Sei que ela é utilizada em projetos paisagísticos em diversos lugares do Brasil, e às vezes me pego pensando na quantidade de frutinhas do milagre que crescem nesses jardins sem que as pessoas que diariamente passam por eles se deem conta de que existe um milagre ali, ao alcance das suas mãos.


Experimente comer a fruta-do-milagre e depois chupar um limão. Será o limão mais doce que você já provou

O ESPECIALISTA

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

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