São centenas de espécies no gênero Ficus, uma mais interessante do que a outra. Desde a única árvore que acomodou 10 mil soldados ao curioso processo de polinização das vespas

Texto Luiz Mors Cabral Foto Wikimedia

Teofrasto, considerado o fundador da Botânica, foi a primeira pessoa a descrever as espécies de figos. Ele se concentrou no Ficus carica, e tudo indica que ele não sabia que existiam centenas de outras espécies no gênero Ficus (são aproximadamente 800), cada uma com sua própria história. Nos relatos das conquistas de Alexandre, O Grande, Teofrasto ficou conhecendo o Ficus benghalensis, cuja lenda dizia que 10 mil soldados do exército de Alexandre haviam encontrado abrigo sob a copa de uma única árvore. Muito mais tarde, no início do século XX, o botânico inglês Edred Corner se especializou no gênero Ficus e descreveu centenas deles. Um dos legados únicos de Corner foi treinar quatro macacos para buscar frutas de figo no alto das árvores, para que ele pudesse descrever novas espécies sem a necessidade de escalar as árvores. Ele os chamava carinhosamente de seus “macacos botânicos”. Em seis meses, eles coletaram os frutos de 350 espécies.

Foto NIKHIL MORE-Shutterstock

Figueiras são plantas muito especiais que, além de serem lindas, têm um fruto delicioso, com importância fundamental na história humana. Na verdade, tecnicamente um figo não é realmente uma fruta; é uma inflorescência — um aglomerado de muitas flores e sementes contidas dentro de um bulbo. Por causa desse arranjo incomum, com milhares de flores contidas dentro de um receptáculo, a polinização dos figos é um evento muito curioso. Geralmente polinizadores têm livre acesso aos órgãos sexuais das plantas. São atraídos por estímulos visuais (as cores e as formas das flores) ou químicos (feromônios ou atratores químicos da mais diferente natureza). Mas no figo as flores não estão expostas e, por estarem escondidas dentro do bulbo, elas necessitam de um polinizador especializado que esteja adaptado para navegar dentro desses espaços confinados. Não é qualquer inseto que consegue ter acesso às flores de uma figueira. Aqui começa a história da relação entre os
figos e suas vespas.
A “vespa do figo” tem o tamanho perfeito (ou quase perfeito) para o trabalho. A única ligação que a cavidade do figo tem com o mundo exterior é através de uma pequena abertura, chamada ostíolo. É por meio dessa passagem que a vespa polinizadora do figo ganha acesso
às flores. No entanto, frequentemente, ela perde suas asas quando força sua passagem pelo diminuto ostíolo.
Uma vez lá dentro, a vespa se esgueira dentro da câmara, depositando seus ovos e, simultaneamente, derramando o pólen que carregava consigo, trazido de uma visita à flor
masculina de outro figo. Essa última tarefa, o transporte de pólen, embora não seja o objetivo principal da vespa, é muito importante: ela está fertilizando as flores da figueira, que estão espremidas dentro do bulbo. Depois que a vespa põe seus ovos, sem conseguir encontrar a
saída, ela morre e é digerida pelo figo. Seu corpo em decomposição acaba alimentando seus próprios ovos recém-depositados.

A flor do figo é “virada para dentro” e só uma minúscula vespa é capaz de
entrar pra fazer a polinização. Muito diferente. Foto 2xWilfinger-Shutterstock

Depois que os ovos eclodem, vespas macho e fêmea acasalam entre si, e a partir daí assumem papéis muito diferentes. Os machos não desenvolvem asas e começam a traçar um caminho para o exterior do figo. Essa atividade não é para sua própria fuga, mas sim para criar uma abertura para que as fêmeas saiam. As fêmeas ganharão a liberdade, e uma vez fora do fruto visitarão outra figueira, coletarão pólen de outra flor masculina e irão se esgueirar por meio de outro ostíolo, polinizando outro figo. Os machos passarão todo o ciclo de vida dentro de uma única fruta. Essa relação entre figueiras e vespas é um dos exemplos mais conhecidos de mutualismo, porque beneficia as duas espécies envolvidas. A figueira consegue ser polinizada, enquanto as vespas depositam seus ovos em um local seguro e com acesso a alimento. Esse mutualismo é antigo (tem aproximadamente 80 milhões de anos) e diverso, já que cada espécie de figo é geralmente polinizada por uma única espécie de vespa. Existe, portanto, uma espécie específica de vespa para cada uma das quase 800 espécies de figueira, e cada parceiro é totalmente dependente do outro para seu sucesso reprodutivo.
Se as fêmeas perdem as asas quando entram pelo ostíolo, e os machos sequer deixam o bulbo, nós comemos vespas quando comemos figos? A resposta curta é que depende. A maior parte dos figos que consumimos (Ficus carica) é partenocárpica, ou seja, se reproduz sem necessidade de polinização. Por não depender da geração de sementes, esses figos não terão partes de vespas dentro deles.

As benians (Ficus benghalensis) são figueiras que soltam raízes aéreas que se tornam troncos
e uma mesma árvore ocupa áreas imensas – Foto CHERRYLRAMALHO_Shutterstock

Por outro lado, aquelas espécies de figueiras que dependem de vespas para polinização provavelmente conterão pedaços de vespas na fruta. Portanto, animais, incluindo humanos, que comem figos que não foram cultivados comercialmente devem consumir vespas mortas. Pode ser decepcionante para vegetarianos que eventualmente comem figos achando que estão ingerindo somente um vegetal.

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

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