Conheça a curiosa história da Camellia sinensis, espécie essencial para a produção de uma bebida que só perde para a água na preferência e no consumo mundial

TEXTO ROBERTO ARAÚJO

Hoje e só hoje – até independentemente de que dia seja hoje neste 2018 – um oceano de água doce está sendo despejado em chaleiras por todo o mundo para ser aquecido e receber algumas folhas de uma planta chamada Camellia sinensis. Algumas pessoas estão fazendo apenas um chazinho quente para rebater o frio ou, ao contrário, um chá gelado para amenizar o calor. Outras, participando de sofisticados e intricados rituais, que, no Japão, são chamados de chanoyu – ou cerimônia do chá – e duram nada menos que quatro horas. São uma vivência estética que só os iniciados entendem – e adoram.

Após alguns goles, todas essas pessoas se sentirão bem melhores, mais serenas e focadas. Terão também incorporado as mais diversas propriedades para a saúde – emagrecer é uma das consequências delas.

No Brasil quase não existe Camellia sinensis, mas no oriente ela forma extensos campos. Só assim para gerar folhas suficientes para a produção de seis bilhões de xícaras de chá diárias Entre as bebidas, o chá só perde para a água na preferência da espécie humana.

Cada uma a sua maneira – e pelos mais variados motivos –, do Japão à Inglaterra, da Argentina à Rússia, não deixam os bules pararem: são seis bilhões de xícaras de chá por dia – repetindo, seis bilhões por dia –, segundo a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Como o planeta tem cerca de 7,6 bilhões de pessoas, talvez dê para afirmar que a Camellia sinensis é a planta com maior influência na saúde das pessoas. Entre as bebidas, só perde para a água na preferência da espécie humana.

Nessa conta não entra chá de camomila, chá de hibisco, nada que seja “chá de …”. Na verdade, se for “chá de …”, nem pode ser chamado de chá – para os puristas é tisana, bebida feita pela infusão de qualquer parte de uma planta. Chá de verdade, sem “de”, só mesmo com a Camellia sinensis. Mas e o mate, tão apreciado pelos sulistas brasileiros? Bem, mate é feito de Ilex paraguariensis. É mate, não chá.

O chá é tão universal que, com variações de pronúncia, só tem dois nomes em todas as línguas do mundo. O ideograma que o representa (imagem abaixo) também é o mesmo em chinês e em japonês – só a palavra falada varia conforme a região. No século 17, o que saía da Ásia para o mundo pela região de Fujian, na China, era chamado de “tê” – daí veio o tea inglês, o tee alemão e o thé francês. Os portugueses, entre outros comerciantes, compravam em Macau, onde se falava o cantonês e o “tchá” virou o nosso chá, quase a mesma palavra que você pode usar na Rússia. Em cirílico, a bebida é um complicado чай, que se pronuncia apenas “chai”. Fácil, né?

O ideograma que representa o chá também é o mesmo em chinês e em japonês

Muito prazer, Camellia sinensis

Claro que você conhece a camélia, aquela flor que foi símbolo do movimento pela libertação dos escravos no Brasil. Mas esta das flores é a Camellia japonica, a mesma que aparece nos jardins brasileiros, linda e de crescimento lento, extremamente lento.

A Camellia sinensis é um pouco mais rara no Brasil. Nativa das florestas da Índia e do sul da China, forma um arbusto ou uma pequena arvoreta, que pode chegar a 15 m de altura – mas que raramente passa de 1,5 m, já que é intensamente podada. O que interessa dela são as folhas oblongas, lustrosas, escuras, com margem denteada. Se deixada crescer livremente, pode gerar flores brancas e perfumadas, e depois dar frutos que produzem um óleo próprio para o consumo humano, chamado de óleo de chá, usado na culinária.

Como é cultivada há milhares de anos e em muitos lugares do planeta, existem centenas – senão milhares – de cultivares da Camellia sinensis, cada um com características próprias. Um deles, o ‘Meiryoku’, é dos mais fáceis de plantar e manter. Outro, o ‘Yoshiro Nikkan Bancha’, tem uma história que começou em 1603 na cidade de Ooyodo e é usado em sorvetes, risotos, doces e sopas. Haja criatividade!

O local onde a planta é cultivada também faz muita diferença. Se a folha cresceu em um vale, com menos sol e pouco vento, nada tem a ver com as folhas do arbusto que estava na parte alta da montanha e recebeu mais sol e muito vento. Cada uma tem propriedades diferentes, e os especialistas acham que não há como compará-las.

Basicamente, a planta gosta de solo fértil, bem irrigado, ácido, com calor moderado, e se dá melhor em montanhas ou planaltos com até 1.600 m de altitude.

Na hora do chá

É impossível listar todos os chás, pois eles variam conforme a região do planeta, as folhas utilizadas e as técnicas de preparo. Todos – repetindo – são feitos com as folhas da Camellia sinensis. De modo bem simplificado, é possível dividi-los em quatro categorias distintas:

Chá branco: é raro, muito caro e o mais nobre de todos. Durante apenas três dias em todo o ano, quando a planta está em seu momento máximo, por volta de abril ou maio, são colhidos apenas os brotos, antes que comecem a fazer fotossíntese – daí ser chá branco. Essas folhas jovens são deixadas para secar naturalmente e fazem do chá branco o menos processado dos chás, com concentração máxima de seus princípios ativos, como polifenóis antioxidantes e catequias para melhor funcionamento celular. Para um melhor aproveitamento, compre folhas, e não sachês. Coloque algumas folhas na água quente, antes da fervura, e deixe de três a cinco minutos. Uma mesma folha pode ser usada até três vezes.

Chá verde: é o chá mais tradicional e o preferido dos orientais. Tem esse nome porque é pouco processado – ao contrário do chá preto – e, portanto, sofreu pouca oxidação. Prepare-se porque o leque de possibilidades vai se abrir: existem aqueles que são colhidos de plantas parcialmente cobertas e que, entre outros tipos, gera o matcha, com consistência de pó e usado no chanoyu, a cerimônia do chá; os que ficam sob sol pleno produzem, por exemplo, o sencha, o tipo mais comum, e que representa três quartos da produção; o da primeira colheita é o shincha – novo chá – e o mais valorizado. Existem ainda as folhas colhidas na primavera, no verão e no outono – só no inverno não há colheita –, todas subdivididas em várias categorias. Para aproveitar melhor o chá verde, nem sonhe em cometer o pecado de aquecer a água no micro-ondas. Prefira uma chaleira, com água entre 60 e 85 graus – é nessa hora que começam a surgir as bolhas no fundo – e deixe as folhas – sachês nem pensar – em infusão por de um a três minutos – os especialistas garantem que dois minutos é o ideal. Se deixar mais que isso, o chá vai amargar.

Oolong: é o mais consumido na China e tem sabor entre o chá verde e o preto. Há duas maneiras de processá-lo: as folhas são enroladas ou
então comprimidas, como “bolinhas”. Por isso é aconselhável o uso de chaleiras yixing – mais bojudas – para que as folhas possam se expandir. Uma mesma folha pode ser usada em quatro infusões: a primeira de 30 segundos e, nas demais, deve-se acrescentar um minuto a cada nova infusão.

Para processar o oolong é aconselhável o uso de chaleiras yixing

Chá preto: é o mais comum no ocidente e pode ser processado de duas formas: com as folhas de baixa qualidade moídas e colocadas em sachês ou com folhas inteiras. Em ambos os casos, elas produzem um chá mais forte e o mais cafeinado de todos. Isso acontece porque a folha é deixada para oxidar, para só então ser enrolada e, finalmente, seca em bandejas quentes. No preparo, é recomendável o uso de água mais quente, quase no ponto de fervura, e manter as folhas imersas por quatro ou cinco minutos.

História e propriedades

Fique tranquilo, não vou falar sobre os milhares de anos em que o chá acompanha a humanidade. Vou dizer apenas que o famoso chá das cinco, na Inglaterra, começou por causa de uma princesa portuguesa, a Catarina de Bragança, que se casou com Carlos II em 1662. Para se enturmar, ela convidava a mulherada da corte para um chazinho com biscoitos e docinhos. Logo, até os homens passaram a gostar da bebida. Alguém teve a ideia de colocar umas gotinhas de leite e, pronto, estava criado um novo hábito, o famoso five o’clock tea. Porém, como Catarina de Bragança era católica e pouco popular, muitos garantem que foi Maria Russell, Duquesa de Bedford, quem inventou o chá das cinco: dizia que o jantar demorava demais para sair, e ela tinha fome.

Enquanto uns dizem que o chá das cinco foi criado por Catarina de Bragança, outros atribuem a tradição inglesa a Maria Russell

Atualmente, é difícil falar em chá de Camellia sinensis sem que alguém lembre de suas propriedades emagrecedoras. Revistas já gastaram toneladas de tinta com receitas milagrosas. E, sim, ele tem propriedades muito especiais. De todas porém, a melhor é a cafeína, que, embora esteja presente em menor porcentagem que o café, é absorvida mais lentamente, o que prolonga por mais tempo a sensação de bem-estar.

Seja lá o que for, o chá é sempre muito bom. Tão bom que seis bilhões de xícaras de chá são degustadas todos os dias, unindo cada vez mais plantas e seres humanos em uma mesma história.