Você pode não saber ao certo como cuidar de plantas, mas elas sabem bem direitinho como se virar
– Por Carol Costa
Eu mal abria a porta de casa e já avistava a haste fina e quebradiça da falenópsis a me espreitar. Ela era minha filha única e crescia disputando cada centímetro nda janela da quitinete. Eu chegava da faculdade e ia até meu precioso “jardim” repetir a rotina criada meses atrás: inspecionava as folhas, calculava o tempo que faltava para as raízes se formarem, buscava qualquer sinal de haste floral. Estava obcecada por fazer minha orquídea florir.
Não, não me contentava com uma hastezinha qualquer. Queria floradas dignas de exposição – logo eu, que mal sabia o que era substrato. Bastava ler num livro que determinado adubo era recomendado por especialistas para gastar o dinheiro de estudante com toda sorte de adubo e hormônio floral. Fertilizante japonês? Perfeito. HB-101? Pois não.
Esterco fresco de cavalo? Só se for agora! Xixi de vaca? E lá ia eu atrás de mais uma receita milagrosa que pudesse gerar plantas perfeitas, folhas sem uma única nódoa, raízes grossas como dedos. Cada teste era anotado com furor, mas a orquídea reagia sem disposição. As folhas enrugavam ou amarelavam de um dia para o outro. Eu achava que ela não florescia de birra, afinal, eu era seu Pequeno Príncipe, e ela, a mimada rosa na redoma.
Pois é, eu tinha me esquecido que foram as plantas – não os humanos – que colonizaram este planetinha azul. Que elas vivem bem, obrigada, há 470 milhões de anos, desde quando a primeira alga curiosa descobriu que gás carbônico dava barato. E que somos nós quem precisamos delas, não o contrário. Então, veio a semana de provas finais. E o TCC. E uma grande paixão, que transformou minhas horas de fervorosas anotações botânicas em… bem, digamos, …em amassos e quetais.
Aos 20 anos, percebia, enfim, que não dava mais para ser babá de planta. Vieram as férias, passei uns dias na casa da minha mãe e, ao voltar, dei de cara com a orquídea… florida! Fiquei chocada. Como ela se dava ao luxo de florir sem autorização nem plateia? De onde tirara energia depois de semanas de estiagem? E com que petulância resolvia desabrochar sem que eu estivesse por perto?
Foi aí que me toquei de minha ilusória onipotência. Plantas nascem, crescem, se reproduzem e morrem sem pedir licença. Podem fazer isso tão rápido quanto tiriricas ou levar meses até o primeiro espreguiçar fora da semente. Algumas, como os trevos e musgos, são animadinhas para ter filhos; outras, mais pudicas, exigindo décadas até o amadurecimento.
Ainda assim, todas seguem a mesma programação: nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Olha que coisa mais libertadora! Não precisa de fórmula maluca de adubação: sempre haverá uma planta disposta a ser feliz em nossas casas. Que o digam os milhões de amoreiras frutificando no meio-fio, as milhares de calanchoes semeadas por passarinhos, as centenas de orquídeas floridas em árvores, mesmo plantadas do lado errado ou tomadas por cercóspora.
Por mais que você resseque as raízes ou afogue os vasos de tanto regar, que largue a planta tostando no sol ou esquecida à sombra, por mais que o cachorro roa o tronco, o gato mastigue as folhas ou as cochonilhas surjam, alguma planta valente encontrará forças para brotar, florir e crescer sob a sua companhia. Deixa dessa história de tentar controlar tudo. Confie mais no seu jardim. Reconheça a sapiência das plantas, a inteligência que as raízes têm para encontrar os nutrientes de que precisam.
Em vez de subjugar e dominar, experimente observar e colaborar. Deixe que as plantas decidam onde e como preferem crescer. Pode até adubar, é claro, mas sem a fúria da jardineira-louca-controladora. Pegue leve. Entre em sintonia com seu jardim. Deixe que as plantas ditem o ritmo. Uma coisa é certa: minhas orquídeas são mais felizes desde que deixei de ser “babá” e me tornei confidente.