Como lidar com o pânico que bate quando você ganha uma planta e não tem a menor ideia de como cuidar dela

– Por Carol Costa

Mal abri a mala de viagem, dei de cara com elas. No meio da roupa passada, socadas entre lençóis e jeans, estavam três mudas de plantas enroladas em papel higiênico.

Era 1998, eu estudava jornalismo em São Paulo e, como toda universitária duranga, levava roupas para lavar na casa da minha mãe – ainda que isso significasse viajar de ônibus por 300 km com uma mala de meias e camisetas sujas. Eu nem sonhava que me tornaria jardineira, então, imagine o pânico que senti ao encontrar plantinhas órfãs, amarfanhadas e desconhecidas no meio da mala.

– Mãe, vieram umas plaaaantas nas minhas coisas, disse, no primeiro telefonema para Araraquara, reforçando o “plantas” como quem falaria “lesma” ou “gosma”.

– Faz de conta que é o quintal aqui de casa, filha. Assim você não fica tão sozinha em São Paulo.

E foi tudo. Dona Bia desligou e eu fiquei olhando aqueles serzinhos mínimos, sobre os quais eu nada sabia. Peguei um potinho de iogurte que lavei muito a contragosto e enfiei as três mudas na água. Dias depois, a água começou a cheirar mal. Uma das plantas tinha morrido e tombava marrom e mole. A outra havia enchido o pote de raízes. E a terceira continuava igual, com seu par de folhas intacto. Achei aquilo curioso. Como as mesmas condições poderiam gerar resultados tão diferentes?

Joguei o potinho fora, lavei as raízes da muda que tinha se desenvolvido e logo senti um cheiro penetrante. Eu podia não saber nada de jardinagem, mas meu nariz tinha certeza absoluta do que era aquela muda. Lembrei do canteiro da minha mãe, uma baguncinha onde hortelãs nasciam como mato no meio do tinhorão, de pezinhos de morango, de touceiras de avenca e renda-portuguesa. Deu saudade de casa, uma dor de não ter mais ninho.

E me caiu a ficha: eu era como aquelas mudas, desgarrada da planta-mãe, tendo de enraizar por minha conta e risco por esse mundão. Se para mim tudo já era difícil, imagine para elas que não tinham feito vestibular, nem brigado com o pai pra escolher onde cursar uma faculdade.

Plantei a hortelã numa bandeja de isopor, com terra roubada do canteiro do prédio, e dei uma olhada na outra sobrevivente. Ela não tinha cheiro nenhum, mas suas folhas duras e envernizadas pareciam de plástico, manchadas de verde-claro e amarelo. Do caule seco, brotou uma verruga, que cresceu e gerou uma raiz grossa como uma caneta.

O caule foi ficando maior e a planta começou a espichar um broto, dobrando a quantidade de folhas em questão de dias. Do nada, começou a crescer e tombar para fora do copo, depois, do jarro, depois da bandejinha. Parecia um cachorro vira-lata que a gente pega na rua sem saber no que vai dar e o bicho fica tão grande que não cabe mais na casinha.

Finalmente fui ao supermercado e trouxe de lá o maior vaso que meu salário de jovem aprendiz permitia. Plantei as duas irmãs juntas, mas a segunda não gostava de ficar ali. Sempre que podia, lançava seus brotos pra fora, se enroscando qual cobra em torno do vaso, subindo pela parede que nem uma lagartixa desengonçada. Os meses se passaram e eu fui ganhando mais mudas a cada ida para Araraquara. O vasão logo virou vasinho. A hortelã secou, foi podada, reviveu, secou de novo. E a trepadeira continuava a subir, teimosa e desobediente, como a aranha da música infantil. Eu punha água quando lembrava, adubava quando não esquecia, trazia plantas pra casa sem a menor cerimônia.

Só percebi a coisa toda dois anos depois, quando fui morar com o namorado. Um vaso de imbé, jardineiras de tomates, uma bebê-mangueira e dezenas de potinhos se amassavam para caber num Palio de duas portas. Ele dirigiu da Paulista até Pinheiros com os galhos de um fícus lhe fazendo cafuné. No meu colo, o vaso com a jiboia que minha mãe tinha mandado anos antes, quando eu ainda nem sabia que poderia ser feliz, eu e meu Adão, os dois vivendo o Paraíso.

 


Carol Costa é jornalista, jardinista e idealizadora do blog Minhas Plantas (www.minhasplantas.com.br). Tem uma coluna na rádio BandNews FM e apresenta o programa “Mais cor, por favor” no canal GNT