TEXTO: Luiz Mors Cabral 

Em 1913, as sufragistas inglesas destruíram as orquídeas de Kew Gardens para chamar a atenção do público. Foi um ataque muito delicado e de grande repercussão

Já falamos sobre as origens dos Jardins Botânicos, desde os primeiros, dedicados ao cultivo quase exclusivo de plantas medicinais, até os modernos centros de pesquisa que se tornaram hoje. Nesse ínterim, os Jardins Botânicos se transformaram em espaços de lazer, de produção de riqueza e conhecimento, além de ocuparem um papel importante na vida das cidades, sendo também palco de movimentações políticas fundamentais.

O Kew Gardens, Jardim Botânico Real Inglês, é, até hoje, uma grande atração turística, mas há um século, já recebia um contingente gigantesco de pessoas — foram 3,8 milhões em 1912. Contando que, nessa época, o jardim permanecia aberto somente nos meses mais quentes, essa quantidade de visitantes é impressionante.

Talvez por isso o Kew tenha sido escolhido como alvo de um ataque feito pelas sufragistas inglesas, que buscavam atrair atenção para sua campanha pelo voto feminino.

Kew Gardens é um jardim botânico em Londres, com mais de 250 anos, que além de ter plantas de todo o mundo, fez parte da campanha pelo voto feminino, como nesse cartaz de 1909

A luta pelo direito das mulheres ao voto começou em meados do século 19, especialmente na França, Inglaterra e Estados Unidos. Embora inicialmente fosse um movimento pacífico, que buscava o convencimento da sociedade através de petições, abaixo-assinados e marchas organizadas, algumas lideranças do movimento achavam que a resposta da sociedade estava demorando demais. Além disso, o movimento era frequentemente hostilizado, com alguma violência, por homens contrários à causa, que as insultavam nas ruas, jogavam pedras nas manifestações e chegavam a subir nos palanques dos encontros para bater nas oradoras.

Todo ano, Kew Gardens faz um festival de orquídeas

Logo, o movimento passou a adotar ações mais diretas para chamar a atenção, principalmente depois da “Black Friday”, uma manifestação feminista reprimida pela polícia com uma violência desnecessária.

As sufragistas passaram então a quebrar janelas, incendiar fazendas e outros ataques à propriedade privada. Mas talvez sua ação mais notória tenha sido a invasão ao pavilhão das orquídeas no Kew Gardens. O ataque às orquídeas ocorreu em 8 de fevereiro de 1913, e repercutiu muito nos jornais da época. Foi um ataque curioso, porque foi diferente de um ato qualquer de vandalismo. As orquídeas no pavilhão eram protegidas por redomas de vidro, que não foram quebradas no protesto. As sufragistas entraram, retiraram cuidadosamente as redomas e concentraram sua fúria somente nas plantas, que ficaram completamente destruídas. Nenhuma redoma foi quebrada. Foi um ataque às orquídeas, e não ao pavilhão.

Nenhuma das sufragistas foi identificada, tornando difícil entender exatamente por que escolheram as orquídeas, mas é possível que quisessem chamar atenção à sua causa destruindo algo valioso. O pavilhão era um dos lugares mais visitados do Jardim Botânico, e o impacto da destruição nos visitantes pode ter sido o objetivo principal. Ao contrário do incidente nas Orchid Houses, apenas 12 dias depois houve um ataque nada pacífico ao Pavilhão do Chá, no mesmo Kew Gardens, que foi incendiado, e duas sufragistas, Olive Wharry e Lilian Lenton, foram presas.

Foi com essa luta que as sufragistas inglesas finalmente conquistaram o direito ao voto em 1918 (inicialmente somente para mulheres acima de 30 anos). Em 1928, todas as mulheres maiores de idade passaram a ter direito ao voto. Uma conquista que se espalharia pelo mundo.
Viva as sufragistas (só gostaria que elas tivessem poupado as orquídeas!).

Em 2019, o festival contou com 6.200 espécimes, numa apresentação sensacional

O ESPECIALISTA

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

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