Conheça as plantas e flores que travam lutas contra a seca para colorir a paisagem de um dos maiores biomas do Brasil
Texto Ana Luísa Vieira
À primeira vista, a atenção é atraída pelas árvores que pontuam o campo aberto forrado por gramíneas. Depois, detalhes como os troncos tortuosos e os ramos retorcidos de algumas espécies chamam o olhar. A beleza do Cerrado brasileiro é assim: exibe novos detalhes a cada vez que sua paisagem é contemplada.
Quem circula pelos caminhos do bioma – que ocupa mais de dois milhões de quilômetros quadrados – se surpreende: além da aparência curiosa, as plantas revelam valentia ao lutar contra a seca que castiga a região entre os meses de março e setembro.
Enquanto algumas escondem segredos embaixo da terra, outras encontram jeitos de transpirar pouco para guardar o máximo de água possível. Há também as que, como a sempre-viva (Actinocephalus bongardii) (1), escolhem crescer perto de veredas – áreas onde o solo se mantém alagado por longos períodos.
Na maioria das vezes, o esforço despendido nos meses sem umidade compensa: a partir de outubro, o Cerrado se enche de flores para comemorar a estação das chuvas. Com tons vivos e particularidades inusitadas, elas colorem a paisagem até fevereiro – quando vão descansar sua beleza antes de despertar novamente no fim do ano.
FORÇA SUBTERRÂNEA
Entre biólogos e cientistas que estudam os biomas do Brasil, há quem diga que “o Cerrado é uma floresta de cabeça para baixo”. Faz sentido: no subterrâneo, as raízes das árvores típicas da região superam em até duas vezes o tamanho que as espécies atingem acima do nível do solo. Tamanha profundidade tem sua razão de ser: o recurso garante que as plantas se abasteçam da água do lençol freático durante o período em que a chuva se recusa a dar as caras no território.
Uma das árvores que sobressai nesse sentido é o pequi (Caryocar brasiliense) (2) – que atinge até 10 m de altura, mas cresce mais de 20 m embaixo da terra. Na porção da espécie que interessa aos amantes da Natureza – aquela que os olhos veem –, ganham destaque as flores, que combinam grandes pétalas branco-amareladas com numerosos estames nos mesmos tons. A florada agracia o visual do Cerrado entre os meses de agosto e novembro, com pico em setembro. O objetivo é que, com o retorno das chuvas, os galhos do pequi estejam carregados de frutos atrativos para animais como a cotia – que depois espalham as sementes da planta campo afora.
Quem floresce na mesma época é o pau-de-rosas (Physocalymma scaberrimum) (3). Com pétalas encrespadas tingidas de um vivíssimo violeta-rosado, as flores da espécie formam pontos de contraste na paisagem principalmente em dias de céu aberto. São a companhia perfeita para o tronco da árvore – cuja madeira resistente inspirou nomes populares como quebra-facão e cega-machado.
O jacarandá-do-Cerrado (Dalbergia miscolobium) (4) – que também é conhecido como caviúna-do-cerrado e canzileiro – faz diferente: aposta na floração durante os primeiros meses do ano para que, na estação seca, suas sementes estejam a ponto de bala para serem dispersadas pelo vento. De longe, as flores da espécie parecem tímidas; de perto, impressionam pela coloração púrpura e roxa. Exotismo para ninguém botar defeito.
ENTRE RAÍZES E FLORES
Embora as árvores de silhueta tortuosa levem a fama quando se fala do Cerrado, o território também é habitado por belíssimas – e curiosas – plantas herbáceas e arbustivas. A mais popular é a caliandra-do-Cerrado (Calliandra dysantha) (5), que se espalha tão intensamente por lá a ponto de ser considerada o símbolo do bioma. Ela colore a paisagem nos meses da primavera e do verão – mas só durante o dia, já que as flores da espécie se recolhem no escuro. À luz do sol, seu cálice amarelado mal aparece em meio à profusão de estames vermelhos. As folhas, por sua vez, são formadas por pequenos folíolos – tática que reduz a perda d’água pela planta em meses de pouca chuva.
A exemplo das árvores, algumas herbáceas aproveitam a segurança do subsolo para garantir a sobrevivência em tempos de seca. É o caso do para-tudo (Gomphrena arborescens) (6), que enche os campos do bioma de pompons vermelhos entre os meses de novembro e abril. No restante do tempo, a planta concentra energias em sua raiz tuberosa – que, de tão poderosa, é usada em receitas medicinais para combater a febre e a fadiga.
Já o lírio-do-mato (Hippeastrum glaucescens) (7) armazena nutrientes sob a terra na forma de um bulbo. Entre junho e agosto, a espécie entra em dormência total, abrindo mão das partes aéreas e sumindo totalmente da vista de quem circula pelo Cerrado. A intenção é que, durante a primavera, suas flores alaranjadas – cujas seis pétalas formam um exuberante conjunto de até 15 cm de diâmetro – ressurjam com força sem igual. E não é que dá certo?