Texto e fotos Luiz Mors Cabral

Algumas árvores notáveis lutam no Rio de Janeiro contra a cegueira botânica. Um frondoso assacu virou símbolo de luta pela preservação de espécies históricas

A rua Pompeu Loureiro, em Copacabana, preserva um tesouro da cidade do Rio de Janeiro. Um frondoso assacu (Hura crepitans), com 30 metros, domina o cenário, impondo-se, impávido, frente à parede de edifícios enfileirados. A árvore empresta caráter, elegância e história à rua. Os moradores de Copacabana sabem disso, e ao longo dos anos enfrentaram batalhas épicas para preservá-la: formaram uma associação, fizeram protestos, pararam o trânsito e foram às barras da justiça para impedir o corte do maior patrimônio da rua.


Ninguém sabe muito bem como a árvore, típica da Amazônia, foi parar na Pompeu Loureiro, mas fotos da virada do século XIX para o século XX, quando o bairro de Copacabana ainda era uma roça, já mostravam a árvore dominando a paisagem. É possível que ela tenha pelo menos 200 anos, tendo acompanhado a transformação de Copacabana de um recanto escondido do Rio no bairro internacionalmente famoso de hoje. Ela deve sua preservação até hoje, em boa medida, à família Schuback, antiga proprietária de terras daquela região.

Quando vendeu a propriedade, o representante comercial Otto Schuback fez constar em cartório que a Hura crepitans não poderia ser derrubada pelos compradores até que ele morresse. Schuback morreu em 1968, mas a árvore persiste até hoje. A luta dos moradores deu frutos, e em 2006 o assacu da Pompeu Loureiro entrou para a lista de Árvores Notáveis da Cidade do Rio de Janeiro, uma espécie de tombamento realizado pela Fundação Parques e Jardins. O Rio de Janeiro tem hoje centenas de árvores protegidas que podem ser acessadas pelo aplicativo da prefeitura Data Rio.

Com mais de 200 anos, o frondoso assacu (Hura crepitans) da rua Pompeu Loureiro já foi
ameaçado de corte várias vezes, mas os moradores se mobilizaram e hoje
ele tem até placa de preservação

Além do assacu, também compõem a lista de Árvores Notáveis um conjunto de quase 200 tamarindeiros no bairro do Grajaú, 54 palmeiras na Penha, baobás que ladeiam a Avenida Brasil, casuarinas no Recreio dos Bandeirantes, paineiras na Ilha do Governador, e muitas outras árvores de importância pra suas vizinhanças e pra cidade. Dar reconhecimento a essas plantas chama a atenção pro seu papel na paisagem, que é comumente ignorado pelos transeuntes. Não é um problema pequeno. Pesquisas mostram que as pessoas são frequentemente capazes de se lembrar de que animal viram pela última vez, mas quase nunca lembram que planta viram por último.

Em testes em que imagens eram mostradas rapidamente, a presença de animais era muito mais lembrada do que a presença de plantas. É uma tendência tão comum que uma dupla de botânicos norte-americanos (Elisabeth Schussler e James Wandersee) deu a isso o nome de “cegueira botânica”, que eles descrevem como “a inabilidade de ver ou perceber as plantas no ambiente”.

Foto: Quang nguyen vinh / Shuttertock
Foto: M.INTAKUM / Shuttertock
Foto: Kapustin Igor / Shuttertock

As casuarinas do Recreio dos Bandeirantes (acima), os tamarindeiros do bairro de Grajaú e as paineiras da Ilha do Governador são tesouros botânicos que também precisam ser preservados.

Quando não vemos as plantas ao nosso redor, ou damos a elas menos atenção do que merecem, acabamos por não nos engajarmos em sua preservação. Nesse sentido, reconhecer as árvores como patrimônio da cidade é uma iniciativa interessante, capaz de valorizar as plantas no ambiente, chamando a atenção pra sua presença e ajudando no combate à cegueira botânica.

Voltando ao assacu, apesar de fazer parte do conjunto de Árvores Notáveis desde 2006, ele quase foi derrubado pela Prefeitura em 2013, em uma ação arbitrária que terminou nos tribunais, graças, mais uma vez, à movimentação dos moradores do bairro. Além da importância que tem pra Copacabana, eu tenho uma ligação especial com ele. Quando meu filho era pequeno, sempre que passávamos pela Pompeu Loureiro eu contava a história do assacu e da luta dos moradores por sua preservação. Até hoje, sempre que passamos por ele, meu filho aponta e fala: “olha a árvore do papai”. O assacu não é só de Copacabana ou do Rio de Janeiro, agora ele também é meu.

O ESPECIALISTA

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós–doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

Essa reportagem foi publicada na edição 421 da Revista Natureza. Para adquirir, clique aqui.

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