Com as espécies pensadas nos mínimos detalhes, o jardim na Serra Gaúcha parece ter nascido espontaneamente no terreno

TEXTO LAURA NEAIME | FOTOS VALERIO ROMAHN
PAISAGISMO JOSÉ FRANCISCO BENETTI
ARQUITETURA ANGELA ELISABETA KUHN

A casa cheia de personalidade pedia um jardim bem natural. Como ela fica em uma região de clima frio – a cidade de Canela, na Serra Gaúcha, o paisagista José Francisco Benneti apostou no uso de coníferas e de plantas cheias de texturas e cores para criar um espaço muito agradável, que merece ser explorado em seus mínimos detalhes.

A sensação que se tem é de estar passeando por um bosque que surgiu ali espontaneamente. Mas nada no espaço é por acaso: cada arbusto e conífera plantado foi pensado nos mínimos detalhes e tem um porquê de estar ali. As plantas cultivadas no canteiro frontal, por exemplo, visam dar privacidade aos moradores. Também servem de cenário para quem olha de dentro da casa através das amplas janelas. Já o plantio de árvores de grande porte caducifólias, como o liquidâmbar-da-China (Liquidambar formosana) (1) tem como objetivo proteger a fachada do imóvel do excesso de sol no verão, mas deixa os raios passarem nos meses mais frios.

O projeto destaca-se ainda por ser composto por poucos – porém amplos – canteiros. O maior deles começa no jardim da frente e vai até os fundos da casa. Segundo Benetti, isso torna o paisagismo mais orgânico e reduz o trabalho de manutenção.

Jardim de misturas

A mescla de tons é uma das marcas registradas de Benetti, que procura aproximar seus jardins da mata nativa que ainda resiste em Canela. No corredor lateral, a mistura inclui duas espécies de abelia com folhagens diferentes: a abélia-compacta (Abelia x grandiflora ‘Compacta’) (1) exibe folhas verde-bandeira e a dourada (Abelia x grandiflora ‘Francis Mason’) (2), um tom mais amarelado.

Juntamente com os bambus-celeste, os renques de abelia criam uma barreira na lateral do imóvel

Embora ambas sejam floríferas – suas flores despontam da primavera até o outono –, quando o assunto são flores coloridas, as que mais se destacam são as da lavanda (Lavandula dentata) (3), que surgem em grande quantidade entre setembro e março. O arbusto adapta-se muito bem ao clima do local e mantém a frente e a lateral do terreno perfumadas.

As abelias, juntamente com o bambu-celeste (Nandina domestica) (4) – que chega a 2,5 m de altura –, criam uma barreira visual em uma das laterais do terreno. O profissional recomenda que as espécies não sejam podadas com frequência para não perderem o formato naturalmente arredondado.

As inflorescências da lavanda, que surgem mais intensamente na primavera e verão, perfumam a frente do jardim

Beleza de inverno

As coníferas surgem em diversos formatos: o junípero-chinês-azul tem galhos esparramados e a tuia lembra uma pirâmide

Fazendo valer os rigorosos invernos do Sul brasileiro, as coníferas são as protagonistas deste projeto. As espécies do grupo, que são maioria no jardim, merecem todos os créditos quando o assunto é textura. Suas folhas diminutas e “arrepiadas” criam massas de diferentes formas e aspectos. De quebra, essas plantas são muito rústicas e demandam poucos cuidados.

O fato de a variedade de formatos das coníferas harmonizar com o estilo campestre da construção é o trunfo de Benetti. O junípero-chinês-azul (Juníperus x pfitzeriana ‘Pfitzeriana Glauca’) (1), além da tonalidade azulada, apresenta ramos longos e esparramados que preenchem bem o canteiro. Já a tuia-dourada (Thuja occidentalis ‘Rheingold’) (2), em formato piramidal, destaca-se pela coloração cítrica durante o verão e amarelo-bronze no inverno. A tuia-azul (Chamaecyparis pisifera ‘Boulervard’) (3) agrada pelo tom azulado, que contrasta com o verde das abelias. No inverno, as folhas da espécie puxam para o cobre e dão nova cara ao jardim.

Canteiros extensos

Um dos diferenciais do projeto é o fato de ele ser composto por canteiros amplos, orgânicos e que se integram visualmente uns com os outros. Além da naturalidade que isso traz, Benetti defende que a característica facilita a manutenção. Afinal, as regas, adubações e outros procedimentos não precisam ser interrompidos a todo momento para depois serem retomados em outro ponto do jardim.

As linhas dos canteiros forrados por hera-variegada (Hedera canariensis ‘Gloire de Marengo’) (1) são muito bem delimitados e dão a sensação de organização. As virtudes da espécie são muitas: ela se alastra rapidamente, garantindo uma cobertura densa em pouco tempo e, segundo Benetti, é fácil de conduzir, o que permite criar desenhos variados mediante podas mensais.

Adaptada à meia-sombra, a hortênsia pode ser cultivada sob a copa dos ciprestes

Símbolo da região, a hortênsia (Hydrangea macrophylla) (2), incluída no projeto a pedido dos proprietários, colore o espaço. Suas inflorescências globosas surgem da primavera ao verão e agradam pois, no ápice da floração, encobrem todo o arbusto. Por suportar meia-sombra, a planta pode ser cultivada sob a copa de árvores.

Como a varanda fica afastada da rua – isso dispensa preocupações com a privacidade – a vegetação em seu entorno é mais baixa, composta por plantas como a conífera tuia-macarrão (Chamaecyparis pisifera ‘Flifera Aurea’) (3). Na parte posterior, coníferas que já etavam no terreno, como o cipreste (Cupressus lusitanica) (4), fazem a divisa com a casa vizinha.

A bordadura de hera-variegada dá a sensação de continuidade aos canteiros: parece que eles eram um só e um caminho foi aberto no meio dele

Charme na prática

O estilo colonial da construção inspirou José Francisco Benetti a tornar o canteiro na frente do imóvel algo funcional e aromático. “Há muito tempo era comum sair no jardim e colher ramos de alecrim para cozinhar ou um punhado de lavanda para enfeitar a sala. Quis resgatar isso”, explica o profissional.

Além de suas virtudes dentro de casa, a lavanda (1) e o alecrim-pendente (Rosmarinus officinallis ‘Irene’) (2) contribuem para a beleza do paisagismo. As folhagens densas e ouriçadas das espécies harmonizam com as coníferas ao redor. O toque de rusticidade fica por conta da bordadura feita com pedras. Elas não apenas combinam com as paredes do imóvel, como também são uma boa saída para arrematar canteiros pouco iluminados.

O alecrim faz parte da proposta do paisagista de integrar plantas funcionais ao jardim

Os áceres (Ácer palmatum) (3) – que na fase adulta atingem 8 m de altura – complementam o cenário. Sua folhagem, normalmente verde, fica avermelhada no outono, transformando o terreno.

Com cada planta tendo uma função específica no projeto, o paisagismo se torna mais do que um cenário bonito. Aqui, Benetti aliou naturalidade com um jardim prático e fácil de cuidar, que tem tudo a ver com o clima da região.