Se depender da Bíblia, a árvore que sempre acompanhou Jesus foi a oliveira. Prova disso é que o Livro Sagrado está recheado de citações da Olea europaea

Texto: Luiz Mors Cabral Foto: John Theodor – Shutterstock

Acho lindo que o nascimento de Cristo seja associado a uma árvore, mas implico com essa ditadura dos pinheiros. Diz a lenda que, por possuírem as folhas sempre verdes, são uma árvore ligada à prosperidade.
Entendo a relação, mas acho que outras árvores, com suas próprias características, poderiam muito bem exercer o papel de “árvore de Natal”, respeitando a localização geográfica das famílias.
É curioso que, vivendo em um País tropical, eu monte anualmente na minha sala uma árvore que não é típica daqui. Me parece um desperdício armar uma árvore falsa, quando existem tantas plantas interessantes que serviriam para lembrar as coisas bonitas de que se trata o Natal. Se levarmos em consideração que a data celebra o nascimento de Cristo, então a adoção dos pinheiros como árvore símbolo se torna ainda mais insustentável. Ora, não há árvore mais ligada ao cristianismo do que as oliveiras (Olea europaea L. subsp. europaea).

Se a história de Cristo fosse levada em conta de verdade,
a árvore de Natal seria uma oliveira, nunca um pinheiro

O Monte das Oliveiras tem três colinas que ficam de frente para Jerusalém. O cume mais alto do monte alcança quase 900 metros de altitude, e mesmo Jerusalém sendo uma cidade alta, com algumas centenas de metros acima do nível do mar, a elevação do Monte das Oliveiras ainda é imponente. O Antigo Testamento menciona o monte algumas vezes. Foi em um de seus cumes que o rei Salomão construiu altares aos ídolos cultuados por suas esposas estrangeiras, causando problemas com os judeus.
Provavelmente por isso o cume mais ao sul foi chamado de Monte da Ofensa. Depois, em uma de suas visões, o profeta Ezequiel viu a nuvem da glória de Deus partir da cidade de Jerusalém e seguir para leste, até se pôr sobre o Monte das Oliveiras.

O Monte das Oliveiras fica de frente a Jerusalém. É citado muitas vezes no Antigo Testamento e
era um lugar onde Jesus sempre ia orar – Foto photostar72 – Shutterstock

Por fim, o profeta Zacarias menciona o Monte das Oliveiras em uma profecia relacionada ao julgamento divino. O profeta fala dos pés do Senhor tocando o Monte das Oliveiras e o monte sendo partido ao meio. Na famosa lenda da Arca de Noé, a pomba enviada por Noé para buscar por terra tirou um ramo de oliveira do Monte das Oliveiras, quando o nível das águas do dilúvio começou a baixar.
Mas é no Novo Testamento que o Monte das Oliveiras ganha ainda mais protagonismo, convertendo-se em um dos locais de descanso preferidos de Jesus fora de Jerusalém. Foi nas cercanias do Monte das Oliveiras que Jesus deu início à sua entrada triunfal em Jerusalém, e foi após contornar uma das curvas na descida do monte que Jesus chorou ao contemplar a cidade. Na noite em que foi traído, Jesus foi orar no Monte das Oliveiras, no jardim do Getsêmani, que significa exatamente “prensa de azeite”, ou seja, era ali que a fruta era esmagada para conseguir o óleo de oliva. Inclusive, quando Judas entregou Jesus à legião romana que dominava a cidade, ele estava escondido no Jardim do Getsêmani. As oliveiras da época de Cristo são variedades domesticadas a partir de um ancestral (Olea europaea var. sylvestris). Elas produzem grandes quantidades de pólen, típico de espécies polinizadas pelo vento, e esse pólen, acumulado em camadas profundas do solo e preservado ao longo dos milênios, pode ser identificado com bastante precisão. Dessa forma, sabemos que essa árvore dominava a região do Levante (que engloba o que hoje conhecemos como Síria, Líbano, Jordânia, Israel e Palestina) já a 700 mil anos atrás.

Presente na história da humanidade desde sempre, originalmente o óleo de oliva era usado para alimentar o fogo das lamparinas. Só depois se tornou comestível – Foto Nahhana Shutterstock

A variedade domesticada só começa a aparecer por volta de 7 mil anos atrás. Variedades selvagens ainda existem na região, e, portanto, sabemos que a domesticação focou na produção de plantas com mais frutos, com maior conteúdo de óleo e mais uniformes. Nelas, o óleo também é de melhor qualidade, menos ácido e mais propenso à alimentação. Antes da domesticação, apesar de também ser consumido, o azeite era utilizado majoritariamente para alimentar o fogo das lamparinas. As árvores selvagens também são bastante espinhosas, uma característica que a domesticação tratou de eliminar (ou pelo menos diminuir bastante).
A domesticação resultou no espalhamento da árvore. Antes restrita ao Levante, por volta de 6 mil anos atrás todo o sudeste do Mediterrâneo começou a apresentar um aumento maciço do pólen da oliveira em camadas geológicas. Em muitos lugares, esse aumento está associado à diminuição de restos arqueológicos de pinheiros e carvalhos, indicando que essas árvores estavam dando lugar às oliveiras domesticadas. As árvores que acompanharam Jesus faziam parte da vida de todo cidadão de Jerusalém. Eram fonte de alimento, proporcionavam iluminação nas casas, eram usadas nos rituais religiosos e faziam parte da economia de toda a região. A domesticação espalhou as oliveiras ao redor do mundo, de tal forma que o azeite de oliva é parte da cozinha das mais diferentes culturas, espalhando-se tanto quanto o próprio cristianismo. Pensando nas festas de fim de ano, gostaria que as oliveiras tivessem um papel mais importante dentro das celebrações católicas.

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

[wpcs id=9559]