Treine sua sensibilidade com este exercício simples, feito um minuto por dia, e veja como falar a língua das plantas ficará superfácil

As pupilas da gata estavam tão dilatadas que mal se via o amarelo nos olhos. O rabo balançava freneticamente enquanto eu caminhava feliz e cambaleante para minha primeira lição de gatês: nunca mexa com uma gata com filhotes. Especialmente se você tiver 2 anos e for uma completa desconhecida para o bicho. Minha mãe percebeu a tragédia que se anunciava assim que ouviu o bufado típico da gata brava. Saltou em minha direção, mas já era tarde: assim que tentei tocar os gatinhos aninhados na caixa de papelão, a mãe deles me deu uma violenta patada no braço. Guardo a cicatriz do arranhão até hoje.

Ao longo do nosso convívio com outros seres vivos, aprendemos a falar muitos idiomas. Qualquer pessoa é capaz de reconhecer um cachorro feliz, com seu rabo balançando. Quem foi criado no campo também fala outros dialetos: um cavalo com as orelhas bem baixas está prestes a morder ou dar um coice; um coelho em pé sobre as patas traseiras, com o nariz mexendo e as orelhas eretas, está buscando comida.

Falar gatês, cachorrês ou mesmo cavalês pode parecer mais fácil que plantês, mas não é. Todo o alfabeto vegetal está à vista de quem tem olhos para observar antes de agir, contemplar em vez de dominar, conhecer e não julgar. Entender o que uma planta fala não é dom especial nem talento para poucos. É uma sensibilidade fácil de treinar, quer ver só?

Escolha um lugar verdejante que você possa observar todos os dias por um minuto, ao longo de uma semana. Pode ser seu quintal, a praça onde você espera o ônibus ou um único vaso de planta que você tenha na sua mesa. Todos os dias, no mesmo horário, pare um minuto para observar esse cantinho verde. Olhe tamanho, formato, textura e colorido das folhas. Repare em como o cabinho une a folha à planta, na consistência que o vegetal tem. Tente não falar, tocar ou interagir com seu objeto de estudo. Só observe, imóvel, por 60 segundos.

Depois de alguns dias, o invisível começará a saltar aos olhos. Você talvez repare que a folha tem uns pelinhos, que o tom do verso é diferente do da frente, que um botão de flor parece estar surgindo do meio da touceira. É possível que os serzinhos minúsculos que habitam esse vaso também se manifestem. Tatuzinhos podem aparecer e caminhar sobre a terra, uma mosquinha fugaz talvez risque o ar. Se tiver seguido o exercício direitinho, em uma semana você terá se iniciado em plantês e estará uma lição à frente de quem acha que planta não se comunica com a gente.

Na próxima vez que sua violeta murchar, a roseira se negar a florir, ou você pousar os olhos naquela falenópsis sofrida, esquecida no parapeito da área de serviço onde nunca bate sol, vai ser mais fácil entender a sinalização da planta. Porque ela não é birrenta e até avisa do que gosta. É só observar com atenção. Vem cá pra aula avançada de plantês!

Folhas gordas e carnosas indicam que aquele serzinho vem de um lugar seco. Se elas forem duras e envernizadas, como as do chapéu-de-praia ou do fícus-lira, mostram que a planta vive no sol e no vento. Se têm um jeitão de pena, é certeza de que suportam de brisas a vendavais – taí as palmeiras que não me deixam mentir. Folhas amplas e fininhas, como as da bananeira, são moças de sombra e não ligam para desidratação, porque folhona exibida assim é luxo que só pode ser ostentado por planta de local muito úmido. Flores vermelhas, amarelas e alaranjadas atraem pássaros, enquanto as azuis e violetas são as preferidas das mamangavas. Flores grandes, brancas e muito perfumadas foram feitas sob medida para polinizadores ceguetas, mas de faro aguçado, caso de morcegos e mariposas – é por isso que o cheiro da murta e da gardênia fica mais forte à noite.

Tá vendo como as plantas são legais? Elas não PRECISAM da gente, mas até que dão uma mão e nos ensinam uns truques. Avisam, inclusive, quando não estão bem num lugar: ficam enrugadas, enrolam as folhas em canudinhos, tombam a folhagem transformando os ramos em uns pescocinhos molengas e deprimidos. As flores caem, os brotos nascem pequenos, as folhas velhas se cobrem de vermelho, amarelo, roxo, marrom. Aparecem manchas, pintinhas, pragas mil. Tudo parece dizer “não tô feliz!”.

Até o mais prosaico matinho do seu quintal fala plantês. Tem samambaia demais nascendo na sua terra? O solo está ácido. Aparece trevo em abundância? Coloca mais cálcio na adubação, um pouquinho de farinha de osso, umas cascas de ovos trituradas no liquidificador e, voilà!, o trevo some.

Comece hoje a exercitar esse jardineiro atento que vive aí dentro de você. É divertido e você nunca mais vai perder uma planta sem saber o motivo.

Carol Costa é jornalista, jardinista e idealizadora do blog Minhas Plantas (www.minhasplantas.com.br). Tem uma coluna na rádio BandNews FM e apresenta o programa “Mais cor, por favor” no canal GNT