Plantas têm tudo a ver com o nome de pessoas. O escritor José Saramago tem nome de flor e a família Broccoli produz os filmes do espião 007

Texto: Luiz Mors Cabral

Em 1492, os reis Fernando e Isabela da Espanha expulsaram do país toda a população judaica. A opção mais segura era cruzar a fronteira, já que em Portugal o ambiente era mais receptivo. Estima-se que cerca de 120 mil judeus chegaram a Portugal nessa época. No final do século XV, os judeus compunham entre 10% e 15% da população de Portugal. Mas logo a maré virou, e os judeus passaram a ser perseguidos também em Portugal. Em 1497, por decreto de Dom Manuel I, os judeus foram convertidos à força ao cristianismo. Uma boa parte desses cristãos-novos imigrou para o Brasil. Proibidos de professar a própria fé, eles tinham também que abandonar os sobrenomes judaicos, substituindo-os por novos, e nomes baseados em plantas, árvores e frutas eram frequentemente escolhidos. Daí a profusão de “Pereiras, Moreiras, Carvalhos, Parreiras, Pinheiros”, que até hoje estão entre os mais comuns no Brasil. Não eram sobrenomes novos, já que eles existiam e eram muito comuns em Portugal, mas estavam entre os preferidos pelos judeus forçadamente convertidos. Ao escolherem nomes comuns, conseguiam se manter anônimos*.

Em 1922, na aldeia portuguesa de Azinhaga, José de Souza levou o filho recém-nascido para ser registrado. Ali, uma região muito pobre, as famílias não eram de fato conhecidas pelo sobrenome, de modo que ninguém se referia à família do senhor José como “os Souza”. Todos tinham apelidos, e o deles era Saramago, nome de uma plantinha que crescia em abundância nas ruas e calçadas. “Vai se chamar José, como o Pai”, anunciou ao escrivão, que por conta própria acrescentou o apelido ao documento oficial. José de Souza Saramago carregou o sobrenome que lhe foi dado não por sua família, mas por um quase desconhecido escrivão, elevando-o às mais altas estaturas da literatura mundial. A família só foi perceber que o menino tinha um sobrenome sobressalente sete anos depois, quando ele se matriculou na escola. Eram quase todos analfabetos, e o acréscimo ao nome passou despercebido.

* O livro Ensaios sobre a Intolerância: Inquisição, Marranismo e Antissemitismo, de Lina Gorenstein e Maria Luiza Tucci Carneiro, destrincha essa história de fé e perseguição.

Saramago (Raphanus raphanistrum) parece mais uma erva daninha. Quando floresce, resulta em uma florzinha bege de quatro pétalas. Sua fama vem das raízes, que são inchadas e deliciosas em saladas. O epíteto raphanistrum, presente no nome científico, alude exatamente à semelhança com o rabanete (Raphanus sativus). A plantinha era muito consumida pelas populações pobres do interior de Portugal e, provavelmente, a família do grande escritor ganhou daí o apelido que ficou famoso. O nome popular “Saramago” vem do árabe sarmaq, que significa “tenro”.

No livro A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, Darwin traçou paralelos entre a seleção natural e o melhoramento de plantas e animais orquestrado pelos agricultores, uma prática que os biólogos chamam de “seleção artificial”:
“…Embora o homem não possa causar ou impedir a variabilidade, ele pode selecionar, preservar e acumular as variações dadas a ele pela mão da Natureza de qualquer maneira que ele escolha; e, assim, ele certamente pode produzir um grande resultado. …”

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós–doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

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