TEXTOEduardo Gonçalves paisagista e doutor em botânica

O Brasil está entre os países que melhor dominam a tecnologia de lagos artificiais, especialmente no que diz respeito à qualidade da água. Entretanto, a diversidade de espécies usadas ainda é bem pequena, e tende a repetir meia dúzia de plantas com mais disponibilidade. Isso parece incompatível com um país que abriga uma boa parte do Pantanal, um pedação da Amazônia e tantos outros biomas riquíssimos em paisagens aquáticas.

Sem falar que era nos jardins brasileiros que o grande mestre Roberto Burle Marx, um dos maiores responsáveis pela domesticação de espécies usadas no jardins aquáticos, testava suas descobertas, tanto com espécies nativas quanto com espécies exóticas. A ideia do pequeno catálogo a seguir é mostrar que o conceito de plantas para jardins aquáticos está longe de ser plenamente explorado.

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O sensacional trevo-de-quatro-folhas (Marsilea quadrifolia), além de contribuir com
um belo tom de verde, garante a boa sorte do seu jardim aquático
Foto: Sophie Leguil/ Schutterstock
Palmeira-laca (Cyrtostachys renda)

ESCULTURAIS COM O PÉ NA ÁGUA

Jardins ao redor de ambientes aquáticos, mesmo aqueles que usam algumas plantas que surgem dentro da água, costumam ter seus elementos escultóricos — normalmente os pontos focais do jardim — quase que invariavelmente posicionados na vegetação marginal, ou seja, aquela fora da área alagada. É um bom artifício, mas pode não resolver todos os problemas. Existem várias espécies vegetais com um forte aspecto escultórico que até preferem estar dentro da água, então por que não usá-las?

Foto: EQRoy/Shutterstock

Palmeira-laca (Cyrtostachys renda)

Essa bela palmeira asiática tem a região das bainhas foliares — o famoso “palmito” — em um tom tão marcante de vermelho que é chamada de “palmeira-batom” em países de língua inglesa. Plantada em solo regular, é tida como uma espécie bastante sensível, especialmente a períodos mais secos e frios. Já quando cultivada em solos alagados, exatamente como os que habita na natureza, desenvolve-se plenamente.

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Pândano (Pandanus utilis)

Essa é uma planta comumente utilizada no paisagismo. O que poucos sabem é que ela é altamente tolerante a solos encharcados, podendo ser usada como escultórica em lagos e outros jardins aquáticos. As conhecidas raízes que surgem na parte basal da planta servem exatamente para equilibrar o caule em solos lamacentos.

Guaimbé-da-mussununga (Thaumatophyllum paludicola)

Eu e um colega fomos os primeiros a catalogar, há algumas décadas, essa espécie que cresce em áreas litorâneas alagadas no Espírito Santo. Porém, muito antes de ter sido registrada pela ciência, ela já era testada em jardins inundados por Roberto Burle Marx — um grupo de guaimbé-da-mussununga cresce até hoje em seu sítio. Trata-se de uma planta bastante interessante, por conta do caule liso e robusto, com folhas grandes no ápice.

A BELEZA QUE SURGE DO LODO

O aspecto mais surpreendente de algumas plantas aquáticas é a possibilidade de florescerem de forma sublime a partir de um rizoma enterrado no lodo. São várias as espécies com essa característica, e a maioria delas é do grupo dos nenúfares (Nymphaea spp.), mas muitas ainda são pouco utilizadas por aqui.

Foto: Nick Pecker/Shutterstock

Nenúfares (Nymphaeae spp)

Existem dezenas de espécies, variedades e híbridos desse interessante grupo que há séculos fascina com suas folhas que flutuam na superfície da água, abrindo espaço para a elevação das belíssimas flores. Algumas florescem durante o dia, enquanto outras só mostram seu esplendor à noite. Os caules e raízes quase nunca são vistos, já que seguem fazendo seu trabalho embaixo do lodo, no fundo do lago. Nos jardins aquáticos, é interessante manter os nenúfares em vasos, para evitar que cresçam de forma descontrolada e tomem todo o espelho d’água.

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Lótus (Nelumbo nucifera)

Considerada sagrada por muitos no Oriente, essa planta é um pouco chatinha no seu estabelecimento inicial, mas torna-se bastante tranquila de se cultivar depois que enraíza no substrato. Ela exige uma boa quantidade de argila para crescer bem, e as folhas das plantas jovens flutuam na superfície como um nenúfar. Depois, começam a elevar-se acima dela. As flores são de uma delicadeza impressionante, e os frutos também possuem um aspecto único.

Foto: Valerio Romahn

Flor-de-mosaico (Ludwigia sedoides)

Essa planta, que é nativa do Brasil, é de uma delicadeza realmente notável. Enraíza-se no lodo, mas o conjunto de folhas permanece flutuando, em um arranjo concêntrico, que lembra um mosaico. As flores amarelas também surgem flutuando dentro desse mosaico, normalmente uma a uma.

FORRANDO TUDO ATÉ DEBAIXO D´ÁGUA

A grama é a forração padrão para cobrir o solo nos jardins, mas existem outras opções muito utilizadas, como a grama-amendoim. Nos jardins aquáticos, nenhuma dessas espécies consegue se sair bem por muito tempo. Sorte que existem aquáticas capazes de desempenhar exatamente o mesmo papel, exceto suportar pisoteio.

Foto: Containre/ Shutterstock

Glossostigma (Glossostigma elatinoides)

A plantinha não passa de 3 cm de altura — normalmente alcança bem menos —, mas dá um tom verde sensacional, podendo revestir o fundo em porções mais rasas do laguinho ou mesmo crescer sobre a superfície, desde que o solo se mantenha bem úmido.

Foto: chutima chaimratana/ Shutterstock

Malmequer ou picão-da-praia (Sphagneticola trilobata)

Bastante comum em solos mais úmidos no Brasil, especialmente em regiões litorâneas, se deixada naturalmente, cresce até uma altura de 30 cm ou 40 cm, formando maciços. Pode ser plantada em solos alagados, especialmente na borda de lagos, onde a linha d’água pode variar. O maior cuidado é não cultivá-la onde houver plantas mais baixas, já que o malmequer cresce apoiado sobre elas até cobri-las e sufocá-las.

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Erva-de-cabelo (Eleocharis acicularis)

Da família do papiro, cresce mais ou menos como uma grama bem fina. Pode ser usada como forração, para evitar que a lama fique aparente, mas não suporta pisoteio. Por outro lado, raramente passa de 10 cm de altura, dispensando a roçadeira.

BONS VIZINHOS

Existem espécies que, mesmo não sendo exatamente aquáticas, parecem muito mais felizes quando cultivadas perto de um corpo de água, seja ele natural, seja artificial. Talvez seja por causa da a temperatura mais baixa, ou da umidade maior, mas tais espécies tendem a ser mais robustas nesses ambientes. Boa parte das folhagens tropicais — como helicônias e gengibres — costuma se comportar assim, além de várias floríferas, como muitas gesneriáceas e acantáceas. As únicas espécies que devem ser evitadas nesse ambiente são as xerófitas, como agaves e cactos: além de poderem sofrer com a umidade residual ao redor do tanque, elas acabam dando um aspecto nonsense ao jardim, já que ali não é o lugar onde as pessoas esperam encontrar uma planta de deserto.

Foto: Rosamar/Shutterstock

Guaimbés

Como esse Thaumatophyllum bipinnatifidum, estão entre as plantas que ficam especialmente felizes à margem de jardins aquáticos. Sempre que podem, eles mandam uma ou outra raiz adventícia para dentro do laguinho.

LIVRES PARA FLUTUAR

Um aspecto exclusivo das plantas aquáticas é a capacidade que algumas espécies têm de flutuar. Normalmente, são plantas que mantêm as raízes embaixo da água e as folhas acima dela. O caule, quando pronunciado, fica no nível da água ou levemente submerso. Por conta dessa configuração, as aquáticas flutuantes estão entre os poucos vegetais superiores que navegam livres por aí. Elas geralmente crescem muito rápido, então precisam ser controladas com frequência ou podem tomar completamente o espelho d’água. A vantagem é que retiram grandes quantidades de nutrientes da água, ajudando a mantê-la limpa. Eu costumo retirá-las periodicamente e colocá-las diretamente sobre as raízes de algumas plantas, como um adubo instantâneo. Como murcham e se decompõem muito rápido, podem retornar ao solo o que tiraram da água.

Erva-de-bicho (Ludwigia helminthorrhiza)

A bela planta produz dois tipos de raízes: uma fica submersa, para absorver os nutrientes, e a outra produz pelos em altíssima densidade, formando um colchão de ar que promove a flutuação da planta. As folhas são muito elegantes e as flores esbranquiçadas, apesar de ocasionais, são bem atraentes.

Foto: ndukhid/Shutterstock

Aguapé

É uma das plantas aquáticas mais conhecidas — houve até uma época em que era comum encontrá-la à venda já floridas em pequenos vasos de água. Apesar dessa onda, não é uma espécie tão simples de se cultivar: em água limpa, o aguapé cresce devagar e pode até desandar. Também exige insolação intensa.

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Alface-d’água (Pistia stratiotes)

Essa é uma das plantas flutuantes mais utilizadas em jardins aquáticos. Sua multiplicação é rápida, já que pequenas mudinhas surgem de estolões que despontam da base da planta. As folhas verde-claras e pilosas dão um visual interessante à superfície da água. Além disso, as longas raízes submersas oferecem abrigo aos peixes menores

Foto: Gert-Jan van Vliet/Shutterstock

Azola (Azolla cristata)

Trata-se de uma diminuta planta flutuante, o que torna ainda mais difícil acreditar que ela é, de fato, uma espécie peculiar de samambaia. Pode ocorrer em uma forma verde, mas geralmente adquire um tom de tijolo. Precisa ser controlada para não cobrir toda a superfície da água. O bom é que as plantas removidas podem ser aplicadas diretamente no jardim, como adubo.

Para ler mais sobre as diversas plantas aquáticas, o uso correto delas e até mesmo como montar seu próprio lago veja a reportagem completa na edição 390 da Revista Natureza.

O ESPECIALISTA

EDUARDO GONÇALVES É doutor e botânica e paisagista, autor de dezenas de reportagens de capa da Revista Natureza e autor de diversos livros de botânica e paisagismo.

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