Entenda como as plantas e as formigas agem em conjunto na evolução e por que saíram das florestas para tomar conta do mundo com suas 14 mil espécies
Texto: Luiz Mors Cabral Foto: Angel DiBilio – Shutterstock
O termo coevolução é usado para descrever casos em que duas (ou mais) espécies afetam a evolução umas das outras. Um bom exemplo é o da planta que, por algum motivo, tem sua morfologia alterada. Essa alteração, por mais sutil que seja, pode afetar a morfologia de um herbívoro que se alimenta dessa planta, que, por sua vez, pode afetar a evolução da planta, que, por sua vez, pode afetar a do herbívoro, e assim sucessivamente.
Um exemplo clássico de coevolução é a relação entre plantas e insetos. Muitas plantas e seus polinizadores são tão dependentes uns dos outros e seu relacionamento é tão exclusivo que somente um processo de coevolução poderia explicar suas características. Um caso conhecido é a relação mutualística entre algumas espécies de acácia e formigas.
Essas acácias têm espinhos ocos e secretam um néctar doce da base de suas folhas. O interior dos espinhos torna-se o local ideal para que as formigas tenham suas ninhadas. É protegido e possui alimento abundante. Em troca, as acácias também ganham uma importante proteção contra herbívoros, que evitam as plantas onde existem formigas em grande quantidade. Isso caracteriza a coevolução: as plantas desenvolveram ferramentas que atraem as formigas, e as formigas desenvolveram um comportamento que afasta herbívoros.
As formigas são diversas e ocupam quase todos os habitats e regiões do mundo. Existem hoje mais de 14 mil espécies e talvez sejam os insetos mais abundantes na Terra. Inclusive são uma verdadeira praga urbana, avançando sobre qualquer alimento que, descuidadamente, deixamos dormir aberto e fora da geladeira.
Nem sempre foi assim. Durante muito tempo, as formigas prosperaram em ambientes de floresta, aproveitando-se do ecossistema que ofertava restos de folha, uma abundante serrapilheira e temperaturas amenas. Foi nas florestas que as formigas surgiram, e por muito tempo não havia espécies de formigas adaptadas a ambientes não florestais. Mas, então, quando as formigas deixaram a proteção das florestas para dominar o mundo? E, ainda
mais importante, por quê?
Recentemente, os cientistas mostraram que a relação entre plantas e formigas é ainda mais profunda. A diversidade de plantas em habitats abertos era bastante baixa, e praticamente não havia angiospermas (plantas que apresentam flores e frutos) nesses ambientes até cerca de 55 milhões de anos atrás, quando algumas linhagens de angiospermas evoluíram adaptações fisiológicas a habitats quentes e áridos. As plantas com flores deixavam o ambiente das florestas em direção às pradarias, às savanas e aos descampados. O néctar que essas plantas produziam era um alimento abundante e fácil, desde que as formigas também fossem capazes de sair do ambiente florestal.
É aqui que a coevolução passou a conduzir os destinos das plantas e das formigas. Enquanto as plantas se diversificavam no novo ambiente, produzindo alimento cada vez mais atrativo ou sinais químicos cada vez mais eficientes em indicar sua localização para as formigas, estas também começaram a desenvolver novos comportamentos e características que beneficiavam as plantas. Ganharam em agressividade e passaram a produzir veneno que tornava sua picada cada vez mais desagradável, protegendo os vegetais da visita de herbívoros. Passaram também a se arriscar em distâncias mais longas fora de seus ninhos, dispersando pólen e sementes com cada vez mais eficiência. A coevolução é um processo belíssimo que traça o destino de seres diferentes. No caso das formigas e das angiospermas, existe também certa dose de ironia, já que conecta, de forma inseparável, a evolução das plantas com flores de que tanto gostamos com o avanço das formigas sobre novos territórios. Não se pode, portanto, amar as flores e odiar as formigas sem admitir certa dose de incoerência, já que umas não existiriam sem as outras.
O ESPECIALISTA
LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.