Texto Erwin Bohnke

O gênero Habenaria é cheio de truques. Às vezes se parecem com matos e outras vezes podem servir para iludir o olhar e algumas crenças

Aprendi muito trabalhando com as Habenaria. Só pra você ligar o nome do gênero à espécie, ele vem do latim “habena”, que quer dizer “rédea”, pelo fato de algumas espécies terem um tipo de esporão em forma de tira entre as pétalas e o labelo que se parecem com…rédeas. Pois bem, em meu tempo de vendedor de um certo produtor em São Paulo, gostava de ficar observando o pessoal trabalhar na produção das orquídeas. Um dos trabalhos mais frequentes era arrancar os matinhos que nasciam nos vasos de orquídeas.

A maioria das orquídeas era cultivada em esfagno, ou numa mistura que levava esfagno. Isso ajudava a reter mais umidade e, como o viveiro ficava à beira de uma represa, no extremo sul da capital paulista, água era o que não faltava. Um certo matinho no entanto me intrigava. Resolvi fazer uma experiência e pedi pra não tirarem aquelas mudinhas. Tempo depois, minha suspeita se confirmou: era uma orquídea do tipo terrestre que necessita de muita umidade, o que sobrava naquele viveiro. Dei uma pesquisada e confirmei que era uma Habenaria josephensis, que ainda tinha um agradável perfume de mel. Valeu a pena minha teimosia e logo estávamos fazendo vários vasos com elas para iniciar uma nova linha de orquídeas pra eu vender. Foi aí com essa oportunidade de mexer com a planta que aprendi do que ela gosta e necessita.

Jack Kajon_Shuttertock
O gênero Habenaria é tão cheio de truques que até a espécie mais famosa delas, a orquídea-do-Espírito-Santo, Habenaria radiata, foi reclassificada como Pecteilis radiata

Depois dessa experiência, encontrei várias outras habenárias, inclusive recentemente, aqui em Sergipe, onde moro atualmente, sempre crescendo em ambientes encharcados como beira de lagoas. Ambientes que ficam um bom tempo encharcados e, por vezes, secam por um breve período. Quando seu habitat fica seco, é a fase de “repouso” da Habenaria. Ela perde completamente a parte aérea, como folhas e caule, ficando somente com as raízes tuberosas no solo. O renascimento começa com a estação das chuvas, quando o solo fica úmido e aí ela rebrota. Do que ela gosta mesmo é água, porque tanto faz se o terreno é de lama, terra vermelha ou solo arenoso. A Habenaria quase sempre está associada a um solo encharcado.

As Habenaria da América do Sul tendem a ser verdes, com os segmentos florais formando um pequeno capuz de onde sai aquele labelo exuberante, mas têm algumas de colorido totalmente branco. Já no Sudeste Asiático tem uma bem colorida, a Habenaria rhodocheila, que pode ser amarela, laranja e até vermelho intenso. Mais raro é a Habenaria rhodocheila lilás.

NatureGift_Shuttertock
A Habenaria rhodocheila é a única espécie do gênero em que as flores — mais
precisamente o labelo — têm um colorido vibrante entre o laranja e o vermelho

A ORQUÍDEA-DO-ESPÍRITO-SANTO

Do que gosto das Habenaria é seu labelo bi, trifurcado ou franjado. E o franjado dela pode ser especialmente bonito na Habenaria radiata, típica do Sudeste Asiático. É bem provável que você já tenha visto foto dessa flor porque já foi amplamente usada com o nome popular de orquídea-do-Espírito-Santo. A tal orquídea-do-Espírito-Santo ficou famosa pelos golpes aplicados em pessoas de boa-fé: a foto do labelo, quando virada de cabeça pra baixo, fica parecendo mesmo com uma pomba branca, uma das representações bíblicas do Espírito Santo (“E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados”, Atos 2:2). Vendiam-se sementes e foram muitas as pessoas que compraram. O problema era que as sementes entregues nem de orquídeas eram, muito menos da Habenaria radiata.

F_studio_Shuttertock
Para se tornar conhecida, alguém teve a ideia de inverter a imagem da flor e chamar
de orquídea-do-Espírito-Santo. Deu certo, mas a flor na verdade é voltada pra baixo

Golpes à parte, a Habenaria radiata é realmente muito bonita, assim como todas as outras Habenaria. São plantas de porte pequeno e de fácil cultivo. Vale conhecer também a Habenaria medusa e a intermedia, todas igualmente bonitas por terem o labelo com grandes franjas. Em geral, elas são perfumadas. Mesmo as nossas de flores verdinhas valem a pena serem cultivadas. Como disse, cultive em esfagno, respeitando o período de repouso dela, adubo químico ou orgânico, boa luminosidade (muitas crescem a pleno sol) e, se puder, uma queda de temperatura à noite (amplitude térmica) de pelo menos 10 °C. Para reter mais umidade, eu uso vaso de plástico com isopor e brita misturada com esfagno.

guentermanaus_Shuttertock
Nativa da Malásia, a tropicalíssima Habenaria medusa encanta pelos inusitados filamentos que integram o labelo, semelhantes a uma franja

Se você tiver seu orquidário em uma região muito úmida e começar a aparecer uns matinhos estranhos, preste atenção, pode ser alguma das habenárias. E se for uma Habenaria radiata e quiser fazer uma foto e inverter, pra mostrar para os amigos e dizer que tem uma legítima orquídea-do-Espírito-Santo, também não tem problema algum. Vai estar falando a verdade. O importante é conhecer cada vez mais a fundo os truques das orquídeas.

Foto Luiz Varella
A Habenaria josephensis é a espécie mais comum do gênero no Brasil.
Ela ocorre em toda a Mata Atlântica
Foto Luiz Varella
Habenaria josephensis

O ESPECIALISTA

ERWIN BOHNKE é orquidólogo há mais de 40 anos e dá palestras e cursos sobre orquídeas no Brasil e no exterior. Recentemente, mudou-se para Aracaju, onde mantém uma pequena produção de orquídeas e é presidente da Orquidófilos Associados de Sergipe (OASE).

Essa reportagem foi publicada na edição 421 da Revista Natureza.  Para adquirir, clique aqui.

[wpcs id=9559]