TEXTO: Valério Romahn

Nos recônditos sombrios das florestas, um universo vivo e fascinante prospera sob o solo. Poucos conhecem as entranhas desse subsolo, repletas de vida microscópica, como fungos e bactérias, vitais para a existência e sobrevivência das plantas. E é nesse mundo subterrâneo que vivem algumas plantas muito curiosas e peculiares. São espécies rizomatosas, cormosas ou bulbosas que subsistem exclusivamente debaixo da terra. Elas sequer desenvolvem folhas e ramos acima do solo, pois não precisam dessas estruturas por serem aclorofiladas. Isso significa que essas plantas não conseguem promover a fotossíntese e, portanto, dispensam a luz. São plantas relativamente raras e a maioria é composta de orquídeas. Você só descobre que elas existem no período de floração quando, aí, sim, a haste floral desponta acima da superfície. A maioria dessas orquídeas exibem flores singelas, de colorido neutro ou amarronzado que se confundem com a camada de folhas mortas sobre o solo. Algumas são um pouco mais exibidas.

Agora vem a parte sorrateira dessa história toda. Essas orquídeas — assim como as demais espécies aclorofiladas — são parasitas, verdadeiras trapaceiras comedoras de florestas. Para explicar isso é preciso primeiro entender a função de alguns fungos e, perdão, terei de usar alguns termos técnicos.

Cada flor não passa de 1 cm de diâmetro e tem um perfume sutil
Foto Martin Fowler – Shutterstock

Na Natureza existem milhares de fungos, todos decompositores (saprófitos). Mas ocorre um grupo deles, conhecido como fungos micorrízicos, que são responsáveis por grande parte da flora do planeta existir, sejam plantas epífitas, rupícolas ou terrestres. No caso das orquídeas, todas elas, sem exceção, dependem desses fungos para nascer e subsistir. Sem eles, as orquídeas não existiriam.

Isso acontece porque, ao germinar, as plântulas das orquídeas (embrião vegetal já desenvolvido, mas ainda encerrado na semente) têm apenas alguns pelos radiculares muito finos e frágeis, que não conseguem extrair, sozinhos, nutrientes suficientes. É aqui que os fungos micorrízicos entram em ação. As hifas desses fungos — filamentos de células que formam o micélio — se desenvolvem no interior das células desses pelos radiculares e, assim, promovem a troca (simbiose) de substâncias entre os organismos: a planta fornece carboidratos (sacarose), enquanto os fungos cedem água e nutrientes.

As orquídeas parasitas são quase impossíveis de serem cultivadas.
Se quiser ver uma, vai ter que ter espírito aventureiro para andar na mata e contar com a sorte de alguma estar florida – Foto Atsushi Nakajima – BioDiversity4All.

É assim que funciona com a maioria das plantas no planeta. Sem fungos micorrízicos não existiriam florestas. Mas nessa intrincada relação simbiótica também existem trapaceiros, como é o caso dessas orquídeas aclorofiladas. Como elas não promovem a fotossíntese e, portanto, não conseguem se suprir de energia própria, essas orquídeas literalmente parasitam esses fungos sem darem nada em troca. De forma muito figurativa, pode-se dizer que são comedoras de florestas, pois a energia que os fungos obtêm das plantas vasculares é devorada por esses parasitas. A não ser que você tenha uma floresta no seu quintal, jamais verá uma delas, privilégio de uns poucos estudiosos que, às vezes, esperam um tempo enorme até que elas se disponham a “dar as caras” antes de se esconderem de novo sob o solo.

Valerio Romahn é autor de dezenas de livros, entre eles A Grande Enciclopédia Natureza de Plantas para o Jardim. É também fotógrafo especializado em paisagismo e Botânica, jardinista e o editor da coleção Mestre das Orquídeas, entre várias outras atividades ligadas à Natureza.

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