Texto Luiz Mors Cabral
Além de belas flores, as árvores do gênero Lonchocarpus produzem uma substância chamada de rotenona que, além da pesca, também pode servir de base para inseticidas. Riquezas que os índios conhecem bem.
Os peixes são uma das principais fontes de proteínas animais nas dietas dos povos originários do Brasil. Mas a imagem de índios pescando com arco-e-flecha, ou na beira de rios com uma lança apontada para a água, esperando pacientemente o momento exato de lançar a arma, não corresponde à verdadeira tecnologia de pesca dos indígenas brasileiros. Na verdade, com essa pesca mais artesanal, seria impossível prover uma aldeia grande com os peixes necessários. A verdadeira técnica de pesca em larga escala é muito mais interessante. Timbó é um nome genérico que se dá a um conjunto de plantas da família das leguminosas (em especial plantas dos gêneros Derris e Lonchocarpus). Quando maceradas, essas plantas liberam uma seiva de cor esbranquiçada — daí o nome “Timbó”, que em tupi significa “o que tem cor branca ou cinzenta”. Acontece que essa seiva é rica em uma substância química muito tóxica, chamada rotenona.
É tradição entre os índios amazônicos, das mais distintas etnias, a utilização desse macerado na pesca. O processo é bem simples: o macerado das plantas é jogado em rios ou lagoas, atordoando os peixes que estão passando pelo local. Mais à frente, membros da tribo têm a tarefa de coletar os peixes que passam boiando, garantindo uma pesca volumosa e fácil. A substância é também tóxica para o ser humano, embora seja necessária uma quantidade muito maior do que a ingerida pelos peixes para nos causar envenenamento. De toda forma, os peixes coletados ainda com vida são colocados em um cesto, e devolvidos ao rio até que se recuperem, expelindo a rotenona ingerida antes de serem consumidos.
Essa substância foi identificada pela primeira vez em uma planta, a Lonchocarpus nicou, durante uma viagem do explorador francês Emmanuel Geoffroy à Guiana Francesa. Geoffroy vinha da Europa com a missão explícita de encontrar árvores produtoras de látex. Acabou encontrando a rotenona, que ele chamou inicialmente de nicolina, e que ele descreveu em uma tese, Hoje se sabe que a nicolina e a rotenona são a mesma substância.
A rotenona logo passaria a ser utilizada ao redor do mundo como inseticida. Insetos são bastante sensíveis a ela, e plantas amazônicas, especialmente do gênero Derris, foram a matéria prima para a produção da maior parte dos inseticidas do mundo antes do surgimento dos inseticidas sintéticos. Um mercado bilionário no qual o Brasil foi protagonista por décadas. Hoje a rotenona ainda é utilizada na pescaria por alguns povos indígenas, ou como inseticida por pequenos grupos de agricultores tradicionais.
A rotenona segue sendo um produto emblemático da relação entre a humanidade e as plantas. É também um lembrete da riqueza que existe na biodiversidade brasileira. O conhecimento sobre as plantas e as práticas culturais associadas a elas nos trouxe muita riqueza no passado, e pode nos trazer ainda mais riquezas no futuro. Quando vejo o aumento do garimpo ilegal na Amazônia, não posso deixar de lembrar de Emmanuel Geoffroy, que veio às Américas atrás da borracha e acabou encontrando outro tesouro. Quem pensa que a riqueza da floresta está escondida em seu subsolo sofre de falta de imaginação e de falta de conhecimento. O que há de mais precioso na Amazônia são as moléculas, as plantas que as escondem, e os povos tradicionais que conhecem seus segredos.
O ESPECIALISTA
LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.