Ele já era considerado a mais importante obra do paisagista, e agora ganhou
a chancela da Unesco. Descubra por quê
TEXTO Cristiane Fenÿo | FOTOS Valerio Romahn
Tudo começou de forma despretensiosa: Roberto Burle Marx queria um lugar para guardar sua coleção de plantas e experimentar no jardim as espécies que coletava em suas expedições. Em 1949, comprou junto com o irmão o sítio Santo Antônio da Bica — hoje Sítio Roberto Burle Marx —, em Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, e começou a levar pra lá as plantas que coletava.
Plantou jardins, criou lagos, construiu sombrais e até viveiros para a produção de mudas, que depois iam parar em seus projetos. Em 1973, mudou-se de vez para o sítio, onde permaneceu até sua morte, em 1994. Décadas de tanta dedicação fizeram surgir no terreno de 405 mil m² o mais relevante de todos os trabalhos do criador do paisagismo tropical. São mais de 3.500 espécies de plantas nativas e exóticas, algumas delas extintas na natureza, além de um acervo museológico com mais de 3.000 itens.
Por tudo isso, o Sítio Roberto Burle Marx, que hoje é administrado pelo Iphan e recebe cerca de 30 mil visitantes todos os anos, foi declarado no último mês de agosto Patrimônio Mundial pela Unesco. Agora chegou a sua vez de conhecer um pouco desse legado.
Coleção integrada à paisagem
Quando comprou o sítio, a ideia do paisagista era ter um lugar para cultivar todo tipo de planta. As aquáticas precisavam de lagos, e eles foram construídos aos poucos. São sete no total, todos com plantas crescendo dentro e fora d’água, para se integrarem aos jardins. O formato dos lagos também muda conforme o ambiente do entorno: os na parte mais baixa do terreno são orgânicos, enquanto o lago na frente da casa do paisagista tem linhas bem retas.
Cada planta em seu lugar
Um dos motivos que levaram Burle Marx a escolher o sítio em Mangaratiba foi o terreno acidentado, com microclimas diferentes na parte alta, mais ensolarada, e na parte baixa, que é plana e úmida. Cada vez que uma espécie nova chegava, ele fazia a catalogação e depois escolhia o melhor lugar para ela, sem a preocupação de povoar uma parte do terreno para só então começar o plantio em outra. As rochas espalhadas nos declives eram perfeitas para o cultivo das bromélias e outras espécies rupícolas.
Plantas protegidas
Na parte mais baixa do terreno, onde a umidade é maior e o sol menos intenso, Burle Marx ergueu sete sombrais para guardar suas coleções de plantas de meia-sombra. Um dos mais importantes é o Graziella Barroso, que concentra as aráceas. Parece uma selva, com trepadeiras escalando colunas enormes e folhagens e floríferas como helicônias, alpínias e marantas ocupando os canteiros. Há também o sombral Margaret Mee, com orquídeas, e vários outros. Juntos, eles ocupam uma área de 12 mil m².
O tempo como aliado
Se tem uma palavra que não fazia parte do repertório de Burle Marx era a pressa. Ele entendia como poucos a importância do tempo na formação das paisagens e adorava acompanhar o crescimento das árvores e palmeiras que chegavam ao sítio ainda como mudinhas. Hoje elas estão enormes, espalhadas por todos os lados, provando que ele estava certo.
Museu na antiga casa
A casa onde viveu Burle Marx hoje é um museu com objetos pessoais do paisagista e muitas obras de arte e artesanato que ele colecionou ao longo da vida. São mais de 3 mil itens, incluindo as carrancas coloridas que enfeitam a varanda.
Pintando com plantas
Burle Marx criava jardins como quem pinta um quadro. No caminho que serpenteia o extenso declive, espadas-de-São-Jorge, bromélias e várias outras espécies vão se sucedendo em maciços que descem ladeira abaixo, em um espetáculo de cores e texturas.
Arte como expressão
Além de paisagista, Burle Marx era um excelente artista. Tinha um ateliê no sítio, onde fazia esculturas, pinturas e todo tipo de arte, e aproveitou algumas paredes para pintar murais de azulejos. Este fica no espaço gourmet.
GÊNIO DE TODAS AS ARTES
Roberto Burle Marx foi o maior paisagista brasileiro em todos os tempos e um dos melhores do mundo no século 20. Criador dos jardins tropicais modernos, revolucionou o paisagismo ao inserir nos jardins espécies até então desconhecidas do público. Apaixonado por plantas, adorava fazer expedições pelas matas brasileiras em busca de novas espécies — que depois eram levadas para aclimatação em seu sítio. Muitas acabaram sendo inseridas nos mais de 3 mil projetos paisagísticos que criou no Brasil e no mundo. Era também um artista plástico de primeira linha, e produziu centenas de gravuras, desenhos, esculturas, peças de tapeçaria, pinturas e até joias.
Para saber mais:
Confira a edição especial Natureza Explica – Burle Marx, de Eduardo Gonçalves e Roberto Araújo. Editado pela Editora Europa, é um livro indispensável para conhecer um dos mais geniais artistas brasileiros. Escrito com um texto leve, agradável e esplendidamente ilustrado, mostra a vida e a trajetória desse modernista que não apenas revolucionou a arte de criar jardins, mas também descobriu novas plantas e se dedicou à pintura, escultura e tapeçaria, entre outras artes. Para saber mais sobre a publicação, clique aqui.