A árvore chapéu-de-sol com suas folhas que mudam de cor está desaparecendo das cidades só porque tem folhas grandes. Entenda

TEXTO: Luiz Mors Cabral

“– Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:
— Não vês? Começo a outonear. É 21 de março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações…”

Tomei o cuidado de colocar esse trecho entre aspas para que fique claro que o texto não é meu. Antes fosse! Na verdade, peguei emprestado de ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade. É um pedaço de uma de suas crônicas, “Fala, Amendoeira”, em que ele trava diálogo com uma amendoeira tão sua companheira que ele chega a considerá-la como incorporada a seus bens pessoais. Esse conto, inclusive, virou nome do livro que reúne os textos que o poeta publicou no jornal Correio da Manhã.

A amendoeira de Drummond me lembra diretamente uma que havia na minha rua (e que garoto não teve uma?). Acostumei-me a vê-la indo de uma calçada à outra, como uma espécie de guarda-chuva, que nos dias de toró nos dava o descanso e o fôlego para que chegássemos à segurança de casa. Nunca fui um dos apreciadores de seus frutos, azedos demais para mim. O que me interessava neles eram outras funcionalidades: em minhas mãos, viravam excelentes marimbas ou, quando necessário, proteção contra eventuais desafetos, valentões da rua de baixo.

Foto: Nattawut Pandee/Shutterstock
Perfeita para a praia, as amendoeiras nem ligam para a maresia, suas raízes adoram
mesmo areia. Além disso, essas árvores dão uma ótima sombra

Trata-se da amendoeira-da-índia (Terminalia catappa), árvore da família das combretáceas, também conhecida como chapéu-de-sol, castanhola ou amendoeira-brava. É original da Malásia, mas se adaptou extremamente bem no Brasil, e foi utilizada exaustivamente na arborização pública. Ela se presta como nenhuma outra a ser plantada à beira-mar, pois não teme os terrenos arenosos ou a alta salinidade. Também os ventos marítimos nada podem contra ela, já que suas raízes são muito firmes.

Infelizmente, as mesmas raízes que garantem sua existência à beira-mar teimam em levantar calçadas e muros. Outro problema é a queda de suas folhas, que exige das companhias de limpeza pública um esforço triplicado para evitar o entupimento dos bueiros. Por esses motivos, muitas cidades regulamentaram a proibição do plantio de novas amendoeiras (é o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro, que proíbe o plantio de novas árvores do gênero desde 1994).

A resolução condena as cidades a ficar somente com as amendoeiras já plantadas, o que, na prática, estabelece um prazo para que os cidadãos convivam com essa árvore fenomenal. Uma vez que as amendoeiras morram, não existirão outras ornando nossas ruas. É uma pena, porque o acréscimo de beleza que elas proporcionam ao morador da cidade é muito especial.

Foto: vitormarigo – Shutterstock

Sua folhagem passeia por uma exuberante palheta, marcando cromaticamente a mudança das estações. Inicialmente são verdes, de um verde vivo, com cheiro de verde e de Natureza. Daí passam, num piscar de olhos, ao amarelo, um amarelo solar, que começa, lentamente, a receber nódoas alaranjadas, que cobrirão lentamente as folhas até atingir um vermelho vivo, quase sanguíneo. É o prenúncio da queda. Logo as árvores se apresentam nuas, expondo seu esqueleto de galhos.

A mudança de cor das amendoeiras tem a ver com a clorofila — ou a falta dela. Respondendo a mudanças sutis no clima ou na luminosidade, hormônios vegetais induzem a redução nos níveis de clorofila, e o que fica na folha são pigmentos avermelhados, como os carotenos. A consequente redução na capacidade de fazer a fotossíntese faz as folhas caírem, o que é providencial no inverno, já que, com menos folhas, a árvore sofre menos com a perda de água. Mas a primavera traz de volta os brotos e o ciclo recomeça.

Folha grande na beleza e na dificuldade de ser descartada

Para além da mera beleza, chego a me preocupar com a saúde mental do cidadão privado do contato com as amendoeiras, porque, como bem notou Drummond, elas são calendários naturais em meio à nossa paisagem tropical, que desconhece o ritmo das estações. É isso que a amendoeira oferece de mais precioso às cidades brasileiras, a lembrança da existência das estações do ano, a certeza de que existe uma cadência e uma lógica na passagem do tempo. Nem tudo é loucura e confusão — existem leis e regras regendo a vida. Você pode até imaginar que isso é um exagero, e que o transeunte, cidadão que lida com os problemas do mundo moderno, não repara na singela mudança de cores das amendoeiras. Mas eu me permito discordar. Mesmo que de forma subliminar, no seu inconsciente, o indivíduo que passar por uma amendoeira, numa de suas muitas colorações ao longo do ano, capta sua mensagem: “Calma, tudo tem seu tempo!”

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, na qual faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.

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