Conheça as orquídeas pé na areia que vivem nas condições mais difíceis de sol, maresia e muito vento. E acham isso ótimo
TEXTO: Valerio Romahn
Dá mesmo vontade de duvidar que certas orquídeas gostam de fincar suas raízes na areia da praia, encarar um sol de rachar sem precisar de protetor solar e ainda ficarem meladas e cobertas de sal trazidos pela forte maresia. E o vento então, forte, constante e que não dá um minuto de sossego. Elas não são muitas, mas a o Epidendrum fulgens, o Catasetum gardneri e o Cyrtopodium flavum dão um show quando o assunto é orquídeas de praia. A capacidade evolutiva adquirida por algumas orquídeas surpreende. Embora a associação que nós humanos fazemos das primeiras faixas litorâneas — porção de terra entre o mar e a costa — como área de lazer e diversão, para as plantas elas são verdadeiramente inóspitas. Bem, não para as orquídeas pé na areia.
No vasto litoral brasileiro há um ecossistema muito delicado, com uma vegetação relativamente pobre — porém complexa — chamado de Restinga, uma ecorregião distinta que pertence ao bioma Mata Atlântica. A Restinga, que sofre com as grandes e constantes variações agressivas das intempéries — ventos diários moderados a fortes, sempre carregados
de partículas salinas —, especialmente nas suas primeiras faixas vegetativas, é constituída de conjuntos de formações vegetais exclusivas, inclusive orquídeas, que se interligam entre si como mosaicos.
Esses mosaicos — ou “comunidades” vegetais — podem adentrar no continente por alguns quilômetros. Quanto mais avançam para o interior, mais espessos e arbóreos eles se tornam. A quantidade e variação de espécies de orquídeas varia significativamente, em ordem crescente, em direção ao pé da serra. O Epidendrum fulgens é uma orquídea terrestre ou rupícola que forma grandes touceiras eretas. Ele ocorre na Restinga das regiões Sul e Sudeste do Brasil, sempre sob sol pleno, especialmente entre a vegetação rasteira das dunas de areia. Suas flores exibem coloridos vibrantes em tons amarelados, alaranjados ou mesclados de vermelho-alaranjado. Elas despontam agrupadas no alto de longas hastes florais e podem surgir entre meados da primavera ao final do verão.
Já o Catasetum gardneri é uma espécie conhecida por suas intrigantes flores unissexuais, o que significa que produz flores masculinas e femininas separadamente. As flores femininas têm um labelo bojudo invertido, voltado para cima como um capuz, e são totalmente verdes. Já as flores masculinas têm uma morfologia diferente, com a sépala dorsal parecida com um capuz. Elas também podem ser verdes ou mais amareladas. A orquídea vegeta diretamente na areia, sob a proteção de um arbusto ou diretamente sob sol pleno.
Por sua vez o Cyrtopodium flavum, conhecido como “sumaré”, forma touceiras volumosas com seus robustos pseudobulbos fusiformes. Ele desenvolve uma grande haste floral racemosa que sustenta inúmeras flores amarelas com nuances esverdeadas. Portanto, se você quiser cultivar essas espécies no seu orquidário, lembre-se que nele não ocorrem esses fortes e constantes ventos. Isso significa que essas orquídeas só podem ser cultivadas sob sol pleno apenas nas primeiras horas do dia. Ou morrerão de insolação. É por questões assim que saber o local de origem de uma orquídea faz total diferença na hora do cultivo.
O ESPECIALISTA
Valerio Romahn é autor de dezenas de livros, entre eles, A Grande Enciclopédia Natureza de Plantas para o Jardim. É também fotógrafo especializado em paisagismo e Botânica, jardinista e editor da coleção Mestre das Orquídeas, entre várias outras atividades ligadas à Natureza.