Procurar bichinhos, subir em árvores, comer trevinhos e fazer bolo de barro são algumas aventuras que esperam você e seus filhos bem longe do computador
– Por Carol Costa
A receita era de família: um maço de trevos bem picados, água o quanto baste, dois punhados de terra, um caramujo desavisado e, voilà!, estava pronto o bolinho. De barro, é claro, como devem ser os bons assados infantis. O trevo ia da boca pro barro e, eventualmente, de volta pra boca, carregando consigo a crocância de uns grãos de areia.
Minha mãe se descabelava para desencardir minhas calças. Mas que criança feliz tem roupas sem manchas? Brincar “lá fora” envolve descobertas maravilhosas. É ver a lagarta e entender a borboleta. Olhar uma rã em sua graça e não em seu visgo. Descobrir na boca o tempo certo de colher mangas e a rapidez das moscas-da-fruta na goiabeira. Não há escola mais generosa do que uma árvore robusta. Escalar, procurar, caçar, pendurar, degustar, cair, quebrar – eis os verbos que a aula de português nunca ensinará de forma palpável. Como é que pode a fruta já nascer com o bicho dentro? Quem botou a lagarta ali, enroladinha? Como cabe uma borboleta inteira no casulo? De onde vem o acordar das sementes ao menor borrifo de água? Pra onde vão os cabelinhos do dente-de-leão depois de assoprados?
Uma visita cuidadosa à sombra de uma árvore pode revelar: um ninho de passarinho abandonado; duas minhocas secas; vários frutos cobertos de bolores coloridos; meia casquinha de cigarra. As samambainhas crescem tronco acima. As ripsális correm galho abaixo. A grama foge da sombra em busca do sol e, enquanto líquens decoram o bordado das aranhas, dezenas de brotos crescem aos pés da planta mãe. No chão, pulsam besouros de todos os formatos, tamanhos e fúrias.
E a sapiência do cavocar? É assim que se rompe o edredom de folhas secas e encontra-se o marshmallow de fungos. Chega-se à terra, primeiro dura, seca e avermelhada, e depois grumosa, úmida e quente. É no cavocar frenético que minhocas são partidas e surgem as raízes, tubérculos e rizomas, uma trama de fios que conversam entre si.
Uma cavocada aqui e logo surgem as formigas trec-trec. Surge também a lagartixa, para logo sumir, com a velocidade do pensamento. Aparecem mais raízes: redondas como as da zamioculcas; fininhas tal qual as da jabuticabeira; peludas que nem as da orquídea-sapatinho. A expedição mal chega ao auge e já é preciso abandoná-la, ora por causa de uma mamangava que brotou do nada, ora por conta dos pernilongos sedentos ao cair da noite.
Talvez você me lance um olhar de descrédito enquanto pensa “pudera, cresceu no interior”. Pois saiba que não! Até os 11 anos fui criada em São Paulo, em apartamento. O meu “lá fora”, como o de milhões de crianças, era o pátio do prédio, sob a vigilância do porteiro e a armadura das grades de ferro. Ninguém precisa de um quintal para se beneficiar de vitamina S – de sujeira, é claro! Aliás, você pode curtir esses tesouros sem nostalgia nenhuma, sendo o adulto que você é, agora mesmo. Que tal fazer isso já? É só abrir os olhos para as coisas miúdas que correm, voam e farfalham ao seu redor.
Aquela formiguinha que inferniza suas manhãs em visitas constantes ao açucareiro – de onde ela vem? Para onde vai? Que surpresas você descobrirá se resolver segui-la por alguns minutos? Vá atrás da formiga! Cavoque até encontrar o coração da terra e só volte pra rotina quando suas unhas estiverem bem sujas. E traga para mim um carrapicho de souvenir, em vez de um snap dessa tarde feliz.