Os temperos que hoje estão em qualquer salada já movimentaram impérios. Acompanhe o relato das incríveis aventuras de Fernão de Magalhães

Texto Luiz Mors Cabral

Séculos atrás, a cidade de Constantinopla (hoje Istambul) funcionava como centro de trânsito comercial mundial. Era uma cidade fascinante e cosmopolita, com uma localização geográfica estratégica, na fronteira da Europa e da Ásia. Ali, comerciantes de vários países convergiam, buscando os produtos mais exóticos e valiosos vindos do oriente. Entre os artigos mais desejados, as especiarias tinham um lugar de destaque. As pimentas, a noz-moscada, o cravo, o cardamomo e muitas outras especiarias eram consideradas produtos luxuosos na Europa. Eram consumidas para aquecer o corpo, como remédio, tempero e perfume. Havia ainda a crença de que alguns desses produtos podiam manter afastadas doenças seríssimas como a peste negra. Além do ouro e da prata, as especiarias também alimentavam o delírio europeu. E nenhum lugar produzia essa riqueza como as Ilhas Molucas. Mas em 1453 Constantinopla é ocupada pelos árabes, que impuseram uma série de taxas para o trânsito de mercadorias, na prática fechando o comércio com a Europa. Era necessário encontrar novas rotas.

Ilustrações Wikimedia
Ir buscar temperos no oriente pela rota da África era o comum.
Mas Fernão de Magalhães chegou ao Oceano Pacífico pela América do Sul.
O primeiro na história a fazer isso. E pagou caro pela ousadia

Fernão de Magalhães, português, era um experiente navegador e aventureiro. Havia morado por pelo menos nove anos na Índia e participado da conquista de Malaca, em 1511, estratégica para a expansão portuguesa nas Índias Orientais. Magalhães havia vivido suas aventuras na Ásia ao lado de seu amigo Francisco Serrão, mas após a conquista de Malaca seus caminhos se separaram. Enquanto Magalhães retornou para a Europa, Serrão seguiu para as Ilhas Molucas, onde passou a viver. Apesar da distância, Serrão e Magalhães mantinham uma correspondência constante. Em uma de suas cartas, escrita em 1513, Serrão convida: “Vinde ter comigo, Fernão. Encontrei aqui um novo mundo, mais rico e maior do que o de Vasco da Gama…”. Das muitas riquezas que ajudou a Coroa portuguesa a conquistar no oriente, muito pouco coube a Fernão de Magalhães: algumas moedas de ouro, um escravo que havia feito em Malaca, batizado com o nome cristão de Henrique (conhecido como Henrique de Malaca), e o direito a uma pequena pensão da Coroa portuguesa. Sentia-se desprestigiado. Por meio das cartas de Serrão, Magalhães obteve informações quanto à exata localização das Ilhas Molucas.
Apesar de ser português, Magalhães apresenta ao Rei espanhol, Carlos V, o plano de alcançar as Molucas pelos mares não reservados aos portugueses, sem ferir o Tratado de Tordesilhas, por meio da ligação que deveria existir entre os oceanos. A armada, composta de cinco embarcações, partiu da Espanha no dia 20 de setembro de 1519, com 265 homens.

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Dos cinco navios e 265 homens, só voltou um e com apenas 19 pessoas a bordo.
Mas as especiarias que trouxeram pagou toda a despesa e deixou lucro.
Tudo graças a frutos como a pimenta-do-reino, uma trepadeira das Ilhas Molucas

A viagem de Fernão é repleta de incidentes. Não bastasse os perigos de uma travessia pioneira na tentativa de se chegar ao oriente pelo ocidente, havia uma terrível conjuntura política. Os portugueses não ficaram nada satisfeitos de saber que havia uma tentativa de se chegar à fonte das especiarias e chegam a tramar o seu assassinato. Os espanhóis também não gostavam da ideia de serem comandados por um português. Bordejando a costa brasileira, a frota começa a procurar a rota que une os oceanos, mas a cada rio que entra não consegue encontrar a passagem. Os fracassos aumentam a desconfiança em relação às competências do português, levando a um terrível motim, controlado com mão de ferro pelo capitão. Seguindo a viagem, a tripulação avista um braço de mar. Sob o comando de Magalhães, navega muitos dias através de um labirinto de montanhas e rios, pelo estreito que, um dia, levará seu nome, até que finalmente as embarcações alcançam o grande Oceano Pacífico!

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O cravo (ao alto) ou a noz-moscada (acima) valiam fortunas.
A briga por eles entre Portugal e Espanha acabou gerando as grandes navegações e a descoberta de como era o planeta

Os tripulantes avançam com muita dificuldade. Sem água e comida, atacados pelo escorbuto, navegam de ilhota em ilhota, sempre na esperança de encontrar as Molucas. Em uma delas (provavelmente a Ilha de Sumatra), desembarcam, e o escravo Henrique fica eufórico: é capaz de entender os nativos. Ambos falam o malaio. Henrique havia sido capturado em Malaca, mais ao ocidente, mas era nativo daquela região. Viajando sempre na mesma direção, ele acabava de retornar à sua terra natal. Magalhães abraça-o, ri e festeja com seu escravo. O negro Henrique foi o primeiro homem a dar a volta ao mundo! Transitando pelo arquipélago em busca das Molucas, ao desembarcar na Ilha de Mactan, o grupo é cercado por uma horda de nativos. Lutam bravamente, mas por fim uma flecha crava-se no rosto do capitão, matando Fernão de Magalhães. Os sobreviventes conseguem, a duras penas, retornar para casa. No caminho de volta, param nas Ilhas Molucas e abastecem os porões do único navio que ainda reunia condições de fazer a viagem até a Espanha com toneladas de especiarias.
Chegam em 1521, dois anos depois de terem partido. Dos 265 homens que começaram a viagem somente 19 retornaram. Quatro navios e muitas vidas foram perdidas, mas o carregamento da única embarcação que retornou à Europa foi suficiente para cobrir os prejuízos, pagar os investidores e ainda dar lucro. Esse era o poder das especiarias. Quando você estiver inocentemente temperando um prato, lembre-se de que esses temperos, que hoje são tão comuns, já levaram os homens a grandes aventuras. Por eles, muitos arriscaram tudo. Foi em busca deles que pela primeira vez deu-se a volta ao mundo.

Para saber mais

COLEÇÃO PLANTAS & HUMANOS, UMA AMIZADE HISTÓRICA

Luiz Mors Cabral é o autor da coleção de cinco volumes, que detalha como, desde o princípio da humanidade, o homem sempre dependeu das plantas para comer, beber, fazer roupas e remédios, além de cultivar jardins. Leia. Você vai mudar a sua maneira de ver as plantas. www.europanet.com.br

LUIZ MORS CABRAL é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.