Conheça as palmeiras acaules, uma “novidade” forjada pelas mudanças climáticas, especialmente nos últimos 30 milhões de anos

Texto Eduardo Gonçalves | Foto conssuella – Shutterstock

Palmeiras sempre foram a face mais conhecida do mundo tropical, algo acentuado pelas dimensões exageradas. As folhas costumam ser imensas, bem como os cachos de frutos. Os caules — ou estipes, como são chamados — muitas vezes elevam essas estruturas já avantajadas, até que ultrapassem dezenas de metros acima do solo, causando sempre dois impactos memoráveis: a primeiro é o visual, pelo efeito de estruturas grandiosas elevadas até alturas incríveis; o segundo é o gravitacional, quando uma dessas folhas ou algum fruto decide se soltar lá de cima e cair sobre alguém. Apesar do risco do segundo impacto, o primeiro foi o que garantiu que as palmeiras se tornassem elementos imprescindíveis no paisagismo tropical. Por outro lado, se der uma olhada mais cuidadosa nas palmeiras brasileiras, perceberá que, apesar dos grandiosos babaçus, buritis ou indaiás serem dominantes nas nossas paisagens, existe um grupo não negligenciável de plantas que até pouco tempo eram ignoradas pela maioria das pessoas: as tais palmeiras “acaules”.

Foto: Marcio Santos Ferreira – BioDiversity4All
As imponentes folhas do anajá-mirim (Attalea humilis) podem ser tão longas quanto as encontradas em muitos dos seus parentes gigantes, como os indaiás.
Mas o seu caule curtíssimo mal eleva tais folhas do chão
Foto: Geovane Siqueira – BioDiversity4All

Esse nome é usado para definir palmeiras cujas folhas parecem sair direto do chão, sem o tradicional estipe. Tais palmeiras são bastante comuns na flora brasileira, especialmente em áreas onde predominam vegetações não florestais, como savanas e campos. Algumas delas precisam de algum esforço para alcançar 50 cm de altura total na fase adulta, verdadeiras miniaturas. Apesar de ignoradas, representam mais de 20% das palmeiras nativas e começam a conquistar o gosto dos jardinistas. Precisamos conversar sobre palmeiras acaules!
Para começar, melhor dizer que o nome “acaule” é meio infeliz, apesar de muito utilizado. É que, no grego antigo, ακαυλος (ou akaulos) significa “sem caule”, o que faz até sentido pelo fato do caule não ser visível. Só que não existem plantas vasculares verdadeiramente acaules. Isso porque o caule é a parte que conecta as folhas às raízes, então o caule sempre precisa existir, ainda que ele possa ser pouco expressivo. Na verdade, em alguns casos, o caule é até bem grandinho, mas ele é integralmente subterrâneo, então não é visto. Só porque ninguém vê, não quer dizer que não existe.

Foto: Scott Zona – Flickr
Perfeitamente adaptado para os incêndios ocasionais do Cerrado,
o guriri (Allagoptera leucocalyx) cresce entouceirado, com o seu
caule mantido quase sempre abaixo da terra.
Foto: Mauricio Mercadante – Flickr
Com as suas brotações protegidas, pode exibir as folhas de
aspecto plumoso e inesperadamente delicado

Mas, qual o sentido em se enterrar um caule? Os caules surgiram para elevar as folhas bem acima das raízes, visando capturar mais luz. Isso é especialmente importante em florestas, onde a competição por luz é real. Entretanto, mudanças climáticas transformaram muitas florestas em savanas, campos ou outras formas de vegetação aberta. Com tais mudanças, incêndios e secas se tornam mais comuns. Caules de palmeiras não têm a casca grossa das árvores, então são bastante suscetíveis aos efeitos do calor e das secas. Já que muitas palmeiras jovens têm seus caules mais ou menos subterrâneos no início da vida, é possível que algumas possam ter aprendido a atrasar essa etapa por toda a vida, garantindo alguma sobrevivência a incêndios e outros fatores desfavoráveis. Parece que deu certo! E onde entram tais palmeiras em nossos jardins? Vamos começar aceitando que a maior parte dos humanos interessados no tema não seja exatamente composta de grandes proprietários de terra… Assim, acho razoável pensar que palmeiras pequenas sejam as mais adequadas para jardins de área modesta, evitando aquela clássica gafe da folha nova da sua palmeira mal caber no jardim que você tem.

Fotos: Valerio Romahn
As folhas prateadas do ariri (Syagrus microphylla) nos distraem a
ponto de esquecermos o quanto essa palmeirinha nativa do limite
entre a Caatinga e a Serra do Tombador na Bahia é pequena!
Raramente passa de 50 cm de altura, mas é um gigante da sobrevivência

Além disso, as tais acaules podem ser bem mais resistentes ao clima da sua região,
e isso sempre é algo que queremos no paisagismo moderno. Sem contar que a domesticação dessas espécies aumenta o número de espécies nativas locais que podem ser inseridas nos jardins, e pode até salvar algumas da extinção. Isso porque savanas e campos naturais estão entre as principais fronteiras agrícolas brasileiras, então fica difícil para essas palmeiras concorrerem com a soja ou outras culturas comerciais. Que tal promovermos a inclusão dessas baixinhas?

Foto: Valério Romahn
Seria impossível falar de palmeiras compactas sem citar a dona
do pedaço, a incrível Butia leptospatha, nativa do oeste do
Mato Grosso do Sul e do Paraguai. Elevando-se até 40 cm
acima do solo, é difícil acreditar que seja mesmo uma palmeira!
EDUARDO GONÇALVES
O @ogrodabiofilia é botânico, paisagista e
biófilo praticante, mas suas opiniões nessas áreas
podem ser bem duras com o senso comum!